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A visita do papa Francisco

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Por Redação
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O papa Francisco chega amanhã ao Brasil para a Jornada Mundial da Juventude, ocasião que está sendo considerada como uma espécie de estreia de um pontificado voltado para a recuperação do papel destacado da Igreja Católica na defesa dos mais pobres e na denúncia das desigualdades sociais. Com essa disposição, o papa encontrará no Brasil uma audiência especialmente sensível, em meio a protestos por melhores condições de vida e contra a corrupção.A imagem de um pontífice humilde e genuinamente interessado nos necessitados está sendo cultivada desde a eleição do cardeal Jorge Mario Bergoglio, em 13 de março, e afirmada na escolha do nome - homenagem a São Francisco de Assis, aquele que se dedica aos mais pobres dentre os pobres. A atenção especial aos desassistidos deverá marcar esta que é a primeira viagem internacional de Francisco e que, portanto, está tomada de expectativa mundial.O fato de que o papa falará aos jovens é especialmente importante. A mensagem central de Francisco, segundo a qual as considerações de caráter estritamente econômico não podem ser mais valorizadas do que o ser humano, tem o potencial de ir além do rebanho católico, pois é de natureza universal. Trata-se de um convite para que os jovens de todas as crenças se engajem na tarefa de superar as desigualdades.Em 2007, na Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho, em Aparecida (SP), o então cardeal Bergoglio supervisionou a redação de um documento que atacou a "avidez do mercado" e a ideia de que a felicidade está no bem-estar econômico e na "satisfação hedonista". Agora como papa, Bergoglio terá a oportunidade de enfatizar essa crítica, e a Igreja acredita que ela será bem recebida, porque as recentes manifestações de rua no Brasil e em outras partes do mundo, protagonizadas justamente pelos jovens, indicam maior consciência social.As palavras de Francisco têm sido acompanhadas de atitudes firmes e autênticas. No início de julho, o papa foi a Lampedusa, ilha italiana que é o ponto de passagem para os milhares de imigrantes ilegais que, vindos da África e do Oriente Médio, tentam entrar na Europa. Foi o primeiro pontífice a fazê-lo. Ao lembrar que centenas de pessoas já morreram em naufrágios na região e que outras tantas se encontram na ilha sem conseguir completar a jornada rumo a uma vida melhor, Francisco disse que "ninguém chora esses mortos" e lamentou que o mundo tenha perdido "o sentido da responsabilidade fraterna".O gesto indicou que o papa não se furtará a tratar de questões espinhosas, como a imigração e a economia, se isso for necessário para a defesa daqueles que são esquecidos. A busca enfática por justiça social reposiciona a Igreja no momento em que ela tenta se recuperar de diversos escândalos internos e reduzir o distanciamento que marcou o pontificado de Bento XVI, de modo a estancar a sangria de fiéis.O Brasil é, nesse sentido, um caso de particular preocupação para o Vaticano. No maior país católico do mundo, o número daqueles que se declaram católicos caiu de 83% para 68% entre 1991 e 2010. Já os evangélicos saltaram de 9% para 20% no mesmo período. Mesmo sem abrir mão das convicções doutrinárias - não se prevê que essa "revolução franciscana" faça concessões à Teologia da Libertação ou altere a posição do Vaticano sobre aborto e casamento entre homossexuais -, o papa espera sensibilizar os desgarrados, demonstrando que a Igreja, sob sua direção, está atenta a seus problemas e disposta a concentrar esforços para superá-los.Nessa estratégia, cada gesto do papa conta. Por essa razão, o Vaticano já mandou avisar que Francisco dispensa proteção extraordinária em sua visita ao Brasil, pois quer estar o mais perto possível das pessoas.A Jornada Mundial da Juventude, cujo tema é "Ide e fazei discípulos entre as nações", é a tradução mais importante, até aqui, desse momento de transição da Igreja. Com a mobilização proporcionada pelo carismático Francisco, a intenção é provar que é possível renová-la, apelando para a simplicidade.