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A volta da Argentina

A Argentina foi condenada à marginalidade financeira a partir do calote internacional, no começo do século, e só começou a recuperar sua imagem quando o governo se dispôs a um entendimento com os chamados holdouts, os credores mantidos fora do acordo inicial dos credores mais flexíveis

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Por Redação
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A Argentina, segunda maior economia da América do Sul, está reconquistando, embora lentamente, seu espaço no mercado financeiro. A última boa notícia foi a melhora de classificação anunciada nesta semana pela Standard & Poor’s (S&P), uma das maiores agências de avaliação de risco. Sua nota de crédito soberano passou de B- para B, com perspectiva de estabilidade a longo prazo. O país ainda fica seis níveis abaixo do Brasil, também afundado no grau especulativo. Mas a melhora da imagem argentina é inegável. Com dificuldades, o governo mantém o programa de ajuste das contas públicas, de combate à inflação, de eliminação das distorções acumuladas na fase do kirchnerismo e de recuperação do crescimento.

A Argentina foi condenada à marginalidade financeira a partir do calote internacional, no começo do século, e só começou a recuperar sua imagem quando o governo se dispôs a um entendimento com os chamados holdouts, os credores mantidos fora do acordo inicial dos credores mais flexíveis. Durante anos, o governo da Venezuela bolivariana foi um dos poucos compradores dos papéis emitidos pelo Tesouro argentino. Com a pior classificação na tabela da S&P, a Venezuela é um dos poucos latino-americanos em posição mais baixa que a da Argentina.

Na pior fase, nem com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a principal fonte de ajuda aos países em crise, o governo argentino conseguiu conversar. Nem os dados oficiais publicados em Buenos Aires eram aproveitáveis sem ressalva em relatórios produzidos pelo Fundo. As distorções introduzidas nas estatísticas durante o período dos presidentes Néstor e Cristina Kirchner só começaram a ser corrigidas seriamente no atual governo.

Nesse período, o governo continuou publicando dados de inflação, mas com escassa credibilidade. Instituições do mercado financeiro passaram a produzir estimativas independentes, mais úteis que as oficiais. Também no Congresso apareceram cálculos alternativos da evolução dos preços.

Ainda há divergências entre os números oficiais e os de mercado, como em muitos países, mas com diferenças menores. Nos últimos dias, ficou em 21,2% a mediana das projeções do mercado para a inflação dos preços ao consumidor neste ano. O Banco Central (BC) divulgou uma estimativa com amplo intervalo, de 12% a 17%. A S&P projetou 20% para este ano, 15% para 2018, 12% para 2019 e 9% para 2020. Sua estimativa de crescimento econômico ficou em 3% anuais, em média, para um período de três anos.

Mas os Kirchners foram além da falsificação dos números e produziram distorções nos preços por meio de subsídios. O governo do presidente Mauricio Macri teve de cuidar também desse problema e para isso precisou criar uma inflação corretiva. O efeito foi penoso para os consumidores quando começou a normalização das tarifas de eletricidade. Correções desse tipo são tão indispensáveis quanto impopulares. Isso também se verificou no Brasil, quando a presidente Dilma Rousseff, sem alternativa, teve de permitir a correção de tarifas de energia elétrica represadas por uma desastrosa decisão dela mesma.

No caso brasileiro, as distorções por interferência nos preços foram amplas e afetaram o mercado de combustíveis e, naturalmente, as finanças da maior estatal brasileira, a Petrobrás, afetada também pelo saque promovido à sombra dos governos petistas. A mudança da política de preços foi uma das primeiras decisões da atual administração.

A eliminação das distorções é uma das mudanças destacadas no relatório da S&P sobre a Argentina, que menciona os “primeiros passos para resolver os grandes desequilíbrios econômicos e as distorções microeconômicas”. A redução progressiva da inflação é citada juntamente com o reajuste das tarifas de serviços públicos para cobertura de seus custos. Há referência à reorganização do serviço de estatísticas e à crescente independência do BC, antes forçado a financiar as contas públicas. É, enfim, um conserto longo, complicado e sujeito a muita oposição. Mas é o único caminho realista.