Imagem ex-librisOpinião do Estadão

A volta da teoria conspiratória

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, não é nenhum Severino Cavalcanti. Jurista, constituinte, presidente nacional do PMDB, ocupa pela terceira vez o terceiro posto na linha sucessória da República (depois do presidente e do vice). Tanto mais deplorável, portanto, a sua decisão de apelar para o mais esfarrapado dos truques a que recorrem todos quantos fracassam em esconder os malfeitos próprios ou de seus iguais. No caso, a clamorosa sequência de revelações sobre as mordomias, o empreguismo, a distribuição de favores, os tratos espúrios de conveniência recíproca entre os participantes da farra continuada com o dinheiro público, nas duas Casas do Congresso, culminando com a história do projeto de reprodução por cissiparidade dos apartamentos para deputados. Isso com a conivência, quando não o incentivo tácito daqueles que, por suas posições na estrutura do Legislativo - ou por suas biografias, se tivessem de zelar por elas -, deveriam ser os primeiros a combater a esbórnia que corre sob as suas vistas e revolta a opinião pública, em vez de tentar mascará-las. Eis que a mais viva reação do deputado Temer ao acabrunhante espetáculo protagonizado por seus pares - endossada, sintomaticamente, por deputados de partidos tão antagônicos como podem ser o DEM e o PT - foi a de "culpar o mensageiro". Ele e as demais excelências que soltaram a voz tinindo de postiça indignação, na sessão da quarta-feira na Câmara, ofendendo a inteligência do mais humilde dos eleitores, propagaram a patranha de que os culpados pela ira da sociedade diante dos abusos dos políticos - acumpliciados com o estamento burocrático que controla o aparato parlamentar federal - não são eles próprios, mas os meios de comunicação que trazem a público os seus ilícitos (e as imoralidades tornadas lícitas pelas normas baixadas no Congresso exatamente com esse intuito). O pretexto para Temer alegar que a imprensa visa a "colocar a Câmara dos Deputados em confronto com a opinião pública" foi nada menos do que patético. Na véspera, com base em informação ouvida do quarto-secretário da Mesa, Nelson Marquezelli (PTB-SP), noticiou-se que a Casa, a um custo da ordem de R$ 150 milhões, iria dividir os seus apartamentos funcionais, a fim de acomodar todos os 513 deputados, deixando de pagar auxílio-moradia aos "sem-teto" entre eles. Ao desmentir a decisão, que Marquezelli confirmaria horas depois - "o que falei, eu repito", declarou -, Temer acusou a mídia de construir uma "cultura política" que eles, os políticos, precisam repudiar "um pouco", se quiserem fazer "um benefício à democracia" (sic). Teve, de imediato, a solidariedade do líder do PT, Cândido Vaccarezza, de São Paulo. Ele se saiu com a fantasia segundo a qual "os editores estabelecem um tema e os jornalistas são obrigados a enquadrar a realidade naquele tema". Para quê? Para "fazer disputa, em geral, com posições conservadoras contra o Parlamento brasileiro". A teoria conspiratória foi encampada por um dos seus adversários mais conservadores, o líder do DEM, Ronaldo Caiado, de Goiás. "Essa tônica de se querer eleger o político como a figura mais desprezível da sociedade deve ser rechaçada", bradou. "Não é possível essa campanha difamatória que aumenta a cada dia." Nenhuma palavra, por suposto, sobre a destrambelhada - porém reveladora - ideia do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). Numa conversa em plenário, na segunda-feira, ele disse que "talvez fosse a hora de fazer um plebiscito para saber se o povo quer ou não que o Parlamento continue aberto". O que o povo quer, evidentemente, é um Parlamento aberto ao escrutínio da imprensa, para ao menos tornar menos triviais as infrações que ali se cometem e menos complacentes as atitudes dos políticos em relação a elas. Como apontou ontem no Estado a colunista Dora Kramer, no Congresso "crimes claros (?) recebem outras denominações: irregularidades, erros, equívocos". Exatamente, por sinal, os eufemismos a que o PT e o presidente Lula se aferravam para abafar a natureza criminosa dos atos enfeixados na rubrica "mensalão". Isso quando não invocavam a "conspiração da mídia", para tapar com peneira as denúncias que os expunham. O mesmo que acaba de fazer o presidente da Câmara dos Deputados.