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Aborto - silêncio e rito sumário

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Por Carlos Alberto Di Franco
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Em pouco mais de dois meses, sob a proteção de um gritante silêncio, foi aprovado um projeto que abre as portas para a ampliação do aborto no Brasil. Segundo informação do jornal interno da Câmara dos Deputados, a iniciativa partiu do ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Em reunião com o deputado Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara, em fevereiro, Padilha pediu que, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, fosse votado no plenário da Casa, em regime de urgência, o Projeto de Lei 60/1999 - que trata do atendimento prioritário nos hospitais às mulheres vítimas de violência. Como resultado do acordo entre o ministro da Saúde e o presidente da Câmara, o deputado José Guimarães, irmão do deputado José Genoino (PT-SP) e líder da bancada petista, pediu a tramitação do projeto em regime de urgência. Na ausência por motivo de viagem de Henrique Alves, a presidência da Câmara foi assumida pelo deputado André Vargas, secretário nacional de Comunicação do PT. O regime de urgência foi, então, aprovado por uma reunião de líderes das bancadas dos diversos partidos. Em seguida, no mesmo dia, o projeto foi emendado, apresentado ao plenário da Casa e aprovado em 5 de março. Três dias depois foi encaminhado para ser apreciado pelo Senado. Velocidade incomum para os padrões parlamentares. No dia 10 de abril, já renomeado como Projeto de Lei Originário da Câmara 3/2013, ou PLC 3/2013, o texto foi aprovado pela Comissão de Direitos Humanos do Senado, após leitura de relatório favorável da senadora Ana Rita, do PT do Espírito Santo. Em 19 de junho, depois de relatório favorável da senadora Angela Portela, do PT de Roraima, o projeto foi também aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado. Finalmente, no dia 4 de julho, sem que houvesse sido apresentado um único pedido de emenda, o PLC 3/2013 foi aprovado no plenário do Senado e, em seguida, encaminhado à Presidência da República para ser sancionado. Estrategicamente, o texto evita mencionar a palavra aborto, mas abre atalhos para a sua ampla ampliação. O projeto, na sua formulação conceitual e na sua tramitação política, foi conduzido com muita esperteza, mas também com notável autoritarismo. Um tema sensível foi conduzido de costas para a sociedade. Vamos analisar o texto, amigo leitor. O artigo 1.º diz que os hospitais - todos os hospitais, sem que aí seja feita nenhuma distinção - "devem oferecer atendimento emergencial e integral decorrentes de violência sexual, e o encaminhamento, se for o caso, aos serviços de assistência social". Atendimento emergencial significa que ele deve ser realizado imediatamente após o pedido, não podendo ser agendado para uma data posterior. Foram postos no mesmo pacote o aborto terapêutico e o aborto por estupro. Atendimento integral significa que nenhum aspecto pode ser omitido, o que, por conseguinte, subentende que se a vítima de violência sexual estiver grávida deverá ser encaminhada aos serviços de aborto. Os serviços de assistência social aos quais a vítima deve ser encaminhada, e que não eram mencionados no projeto original, são justamente os que encaminharão as vítimas aos serviços de aborto ditos legais. É todo um jogo malandro de palavras que conduz a um objetivo bem determinado: escancarar janelas para o aborto no Brasil. Portanto, uma vez o projeto sancionado, todos os hospitais do País serão obrigados a encaminhar as vítimas de violência sexual à prática do aborto. O projeto não contempla a possibilidade da objeção de consciência. O artigo 2.º define que, para efeitos dessa lei, "violência sexual é qualquer forma de atividade sexual não consentida". A expressão "tratamento do impacto da agressão sofrida", constante do artigo 1.º do texto original, foi suprimida e substituída por "agravos decorrentes de violência sexual", para deixar claro que a violência sexual não necessita ser configurada por uma agressão comprovável num exame de corpo de delito. Uma vez que o projeto não especifica nenhum procedimento para provar que uma atividade sexual não tenha sido consentida - e o consentimento é uma disposição interna da vítima -, bastará a afirmação da mulher de que não consentiu na relação sexual para que ela seja considerada, para efeitos legais, vítima de violência e, se estiver grávida, possa exigir um aborto ou o encaminhamento para o aborto por qualquer hospital. O inciso 4.º do artigo 3.º menciona ainda, como obrigação de todos os hospitais, em casos de relação sexual não consentida, a "profilaxia da gravidez". A expressão é nova. Foi estrategicamente plantada nesse projeto de lei. Terá de ser regulamentado ou interpretado. O projeto, que tramitou com velocidade surpreendente e sob um silêncio antidemocrático, configura uma violência. O brasileiro é a favor da vida. Não se trata apenas de uma opinião, mas de fato medido em reiteradas pesquisas. A defesa da vida, da liberdade e dos direitos das minorias, tão duramente conquistados, compõem o mosaico da nossa cidadania. A presidente Dilma Rousseff, em 2010, empenhou sua palavra ao rejeitar qualquer iniciativa do seu governo em favor da legalização do aborto. Compete-lhe, agora, vetar o projeto e, sobretudo, garantir a objeção de consciência do médico e da instituição hospitalar. É o mínimo. As passeatas mostram o nascimento de um novo Brasil. Os cidadãos exigem transparência dos seus governantes e liberdade para manifestar seus pontos de vista. E o que está em jogo não é coisa pouca. É a preservação de um valor fundamental: o direito à vida.

* CARLOS ALBERTO DI FRANCO É DOUTOR EM COMUNICAÇÃO PELA UNIVERSIDADE DE NAVARRA E DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO DO INSTITUTO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IICS). E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR.