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Acordo para a impunidade

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Por Redação
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Por intermédio de seu secretário executivo, Carlos Higino, a Controladoria-Geral da União (CGU) voltou a propor que a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) encarregada da Operação Lava Jato aceite um acordo de leniência para limitar punições às empreiteiras envolvidas em fraudes na Petrobrás.A ideia é evitar que essas empreiteiras sejam declaradas inidôneas, o que as impediria de assinar contratos com a administração pública, levando à paralisação das obras de infraestrutura consideradas prioritárias pelo governo. Em troca da redução de punições, as empresas se comprometeriam a colaborar com o MPF e a ressarcir prejuízos causados. Com isso, poderiam continuar disputando licitações."O processo punitivo leva à declaração de inidoneidade. A experiência que tivemos com a Delta e a Gautama (empreiteiras punidas em escândalos anteriores) é que a declaração de inidoneidade provoca a possibilidade de fechar a empresa. A ideia é evitar uma vitória de Pirro: quebra-se a empresa e não se recupera um tostão para o serviço público", afirmou Higino a O Globo. Segundo o jornal, durante as negociações com a força-tarefa do MPF, ele afirmou que seria melhor aplicar multas às empreiteiras envolvidas no Petrolão e receber o dinheiro o mais rapidamente possível. Também alegou que a tramitação das ações criminais é morosa e que as empreiteiras não estão em condições financeiras de sobreviver até o julgamento final. Disse, ainda, que a falência de algumas delas poderá comprometer os bancos que as financiaram. A proposta de Higino é apoiada pelo advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, para quem o acordo de leniência facilitaria a recuperação dos recursos desviados. "É um caminho mais eficiente do que fechar a empresa e correr atrás dos prejuízos", afirmou.O ressarcimento aos cofres públicos pelas empreiteiras é medida importante, mas as justificativas dos dirigentes da CGU e da AGU - que ocupam cargos de confiança da presidente da República - precisam ser vistas com cuidado. No campo político, os acordos de leniência podem esvaziar as investigações sobre o Petrolão, o que afasta o risco de que elas cheguem ao Palácio do Planalto. No campo jurídico, as investigações envolvem pelo menos oito crimes - improbidade administrativa, falsidade ideológica, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraude à licitação e formação de cartel. Ao deslocar a questão do campo do direito penal para o do direito administrativo, os acordos de leniência levariam o País a perder oportunidade ímpar para aplicar sanções penais exemplares aos envolvidos no maior caso de corrupção de nossa história.A proposta da CGU vai assim na contramão dos esforços que o Brasil vem promovendo há décadas para modernizar o direito penal, adaptando-se às inovações desenvolvidas por organismos multilaterais para combater a corrupção. No final da década de 1980, o Brasil adotou vários procedimentos penais recomendados pelo Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro, da OCDE. Em seguida, cumprindo a Convenção de Viena, da qual é signatário, criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Em 2013, aprovou a Lei Anticorrupção, inspirada no Foreign Corrupt Practices Act americano, de 1977, e no Bribery Act do Reino Unido, de 2010. Ela prevê severas sanções contra empresas que corrompam agentes públicos. Também introduz a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, permitindo que uma empresa seja punida por corrupção independentemente da responsabilização dos executivos envolvidos. Antes, a empresa alvo de investigações podia alegar que o ato de corrupção fora realizado por um executivo, o que a preservava.Ao tentar tornar imunes as empreiteiras, sob o pretexto de que seu eventual fechamento porá em risco o crescimento do País, a proposta da CGU na prática preserva um grupo de grandes empresas que, ao que tudo indica, ajudou agentes privados e públicos a espoliar o erário, e colide com o espírito da Lei Anticorrupção. Foi por isso que a força-tarefa do MPF sensatamente rejeitou a proposta.