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Acordos desvirtuados

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Por Redação
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Criados com o objetivo de ajudar países pobres e emergentes a modernizar a administração pública, alguns acordos de cooperação técnica internacional firmados pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) com o governo brasileiro estão sendo desvirtuados, dando margem a desvios de recursos públicos. Muitos desses acordos exigem a contrapartida do governo brasileiro para cada dólar enviado pela ONU. Segundo a ONG Contas Abertas, em 2009 a União gastou R$ 581 milhões com os acordos de cooperação. No primeiro semestre de 2010, os gastos já ultrapassavam R$ 835 milhões.A constatação de irregularidades nos acordos do Pnud foi feita pela Controladoria-Geral da União (CGU). A execução desses acordos não estava sujeita à mesma fiscalização que recai sobre os gastos da administração direta. Ao auditar com maior rigor os gastos realizados por 13 Ministérios com recursos advindos de mais de 40 acordos firmados com o Pnud, a CGU constatou a falta de um sistema contábil para acompanhamento de projetos, compras superfaturadas, notas frias, pagamentos ilegais de diárias e de passagens aéreas e a contratação sistemática de serviços que nada tinham a ver com a natureza dos projetos. A CGU constatou ainda que algumas autarquias usavam os recursos do Pnud para terceirizar atividades típicas do Estado, o que é proibido, e para contratar, sem concurso, apadrinhados de servidores e políticos. Verbas do Pnud foram usadas para completar salários de servidores em valores acima do teto fixado pela Constituição. Ao todo, a CGU descobriu 28 tipos de irregularidades e o Ministério Público Federal (MPF) já começou a propor ação civil pública nos casos mais graves. Vários deles ocorreram no Ibama, de onde teriam sido desviados cerca de R$ 4 milhões em recursos repassados pelo Pnud só num contrato de aluguel de caminhonetes. Um dos casos envolve uma servidora paga com recursos do Pnud que trabalhou no Ibama durante quatorze anos, tendo cometido um sem-número de deslizes funcionais. Mas, como não era funcionária do governo, não podia ser responsabilizada administrativamente. "Esse é um problema sistêmico na administração pública. Faz-se uma simulação para permitir que pessoas sem vínculos exerçam atividades de Estado", diz a procuradora Raquel Branquinho. Outro caso envolve a destinação dos recursos para atividades não permitidas, como a contratação de consultores que se limitaram a apresentar, como trabalho próprio, textos de terceiros copiados da internet. Ao justificar essas irregularidades, um ex-diretor de Proteção Ambiental do Ibama alegou que, "diante da penúria do órgão", ele não teve outra saída a não ser usar recursos do Pnud para cobrir despesas de custeio. Esse dirigente está sendo processado por improbidade administrativa. O principal objetivo dos acordos de cooperação técnica internacional é custear atividades de capacitação técnica, de transferência de tecnologia e intercâmbio ? e não a "recuperação da penúria" de autarquias ou Ministérios. "No começo, os projetos surgiram com temas específicos, com começo, meio e fim. Mas, rapidamente, passaram a ser utilizados para atividades de rotina", diz o economista Gil Castelo Branco, diretor da ONG Contas Abertas. Em junho, depois de ter sido obrigado pelo Tribunal de Contas da União a encerrar dois acordos firmados pela Secretaria de Educação Básica, o Ministério da Educação alegou que "nem sempre é possível distinguir com clareza o limite entre atividades de efetiva cooperação técnica e atividades instrumentais". No ano passado, a CGU recomendou aos órgãos federais maior rigor na execução dos acordos do Pnud. E, recentemente, o MPF pediu ao Ministério das Relações Exteriores, que é o responsável por esses acordos, providências mais eficazes para evitar fraudes, especialmente em matéria de contratação de pessoal e serviços por órgãos federais. As constatações de mais irregularidades pela CGU e pelo MPF mostram que as recomendações não surtiram efeito.