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Agência das versões oficiais

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Por Redação
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Má notícia, embora de forma alguma inesperada: o Brasil, por meio da empresa estatal de comunicação EBC, ligada à Presidência da República, será um dos nove países da região a participar da União Latino-Americana de Agências Noticiosas (Ulan), cuja criação foi decidida na semana passada, numa reunião paralela ao 3.º Congresso Mundial de Agências de Notícias, que se realizava em Bariloche.A notícia é má, em primeiro lugar, porque a iniciativa atende a uma pregação do dirigente venezuelano Hugo Chávez - para quem a liberdade de imprensa nesta parte do mundo é a liberdade de exaltar a sua assim chamada Revolução Bolivariana e o "socialismo do século 21" que intenta propagar entre os vizinhos. Há tempos, já, o caudilho vem defendendo a formação de uma empresa jornalística regional para contrapor ao noticiário das grandes agências internacionais uma versão supostamente idônea dos fatos na América Latina.A notícia é má também porque, juntamente com a EBC brasileira, assinaram a carta de intenções para a criação da Ulan, prevista para março do próximo ano, as agências oficiais de países onde ou não há o menor vestígio de imprensa livre - caso de Cuba - ou onde ela está sob fogo cerrado dos governos. É o que acontece na Argentina, Bolívia e Equador. Pela importância do país, chamam a atenção em especial as operações desatadas pela presidente argentina, Cristina Kirchner, para asfixiar as empresas de comunicação, cujos veículos criticam o governo, e beneficiar aquelas que a ele se submetem, enquanto vai montando uma rede de canais ditos públicos para servir de correia de transmissão dos interesses da Casa Rosada.É verdade que entre os signatários figuram ainda empresas do gênero do México, Paraguai e Guatemala, onde as principais ameaças ao exercício do jornalismo não vêm propriamente dos governantes de turno. Mas os outros tendem a funcionar como um ativo bloco ideológico. Além disso é de notar a ausência, nesse consórcio, de representantes do Peru e Colômbia, onde o chavismo não conseguiu medrar.A adesão brasileira era apenas previsível por causa da guerra particular que o presidente Lula trava com a imprensa que se recusa a se dobrar aos seus 80 e tantos por cento de aprovação, insistindo em destampar os podres de sua administração - para que não se diluam nos vapores inebriantes da prosperidade econômica. E porque o petismo é uma usina de produção continuada de tentativas de amordaçamento do livre fluxo de informações e opiniões na mídia brasileira, a começar da televisão. Dado que essas tentativas não prosperam no plano nacional, estão aí as manobras para corroer pelas bordas a atividade jornalística, com a pretendida criação de conselhos controladores da programação das emissoras no Ceará, Bahia, Piauí e Alagoas. Por fim, embora Lula procure apresentar ao mundo uma imagem contrastante com a de Chávez, o seu governo não perde oportunidade de demonstrar as suas afinidades com o caudilho venezuelano. O caso da Ulan é apenas mais um.Os defensores da futura empresa se esforçam para afastar outra suspeita - a de que ela se destina a ampliar o papel dos governos da área como provedores de informação, ou melhor, propaganda disfarçada, para consumo das respectivas populações. É o que receia, por exemplo, o diretor executivo da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Julio Muñoz. "Uma agência estatal de notícias é a voz oficial de um governo", argumenta. "Portanto, a informação que difunde deve, necessariamente, ser a de defesa e proteção do seu patrão.""Nossa proposta", reage a diretora-presidente da EBC, Tereza Cruvinel, "é somente oferecer apoio mútuo entre as agências, fortalecendo-as reciprocamente." Parece ser mais do que isso. A carta de intenções para a formação da Ulan fala em "tornar visível as conquistas dos povos do continente para aprofundar a democracia e alcançar sociedades de justiça social". O papel aceita tudo. Chávez, para não falar dos irmãos Castro, também usa essas belas palavras para justificar as suas práticas ditatoriais. De mais a mais, por que a América Latina precisa de uma associação de agências estatais de notícias?