
07 de janeiro de 2015 | 02h04
Crise dessa gravidade exige condução competente. Nossa sistemática política é capaz de atender à exigência?
A modelagem inicial da política brasileira aconteceu ao tempo do latifúndio escravocrata, naturalmente propenso ao patrimonialismo patriarcal-autoritário. No Império e na Primeira República suas práticas ditas democráticas eram contaminadas e comprometidas pelo "voto do cabresto patriarcal rural", controlado pelo poder de turno. Ajustados à época, resquícios dessa herança cultural permanecem vivos, com os "coronéis rurais" pré-1930 substituídos por caciques urbanos (inclusive populistas e sindicalistas) distribuídos em ene (?) partidos, a maioria deles pautada pelo pragmatismo que facilite o acesso à participação no poder. Com o "voto do cabresto patriarcal rural" substituído pelo "voto do cabresto populista e assistencialista urbano", parte ponderável da grande massa mantida na esperança e à mercê do salvador. A presença dessa sistemática cultural na configuração do poder político ameaça estender-se no tempo porque, na "democracia da aritmética eleitoral" viciada pela publicidade ilusória, quando não inescrupulosa, o eleitor de cultura cívica vulnerável à ilusão propicia a vitória do fascínio messiânico-populista nas eleições, em tese, democráticas.
Um quadro político como o esboçado não ajuda a reduzir (quando não agrava) o risco de grave crise econômica. Tampouco ajuda a reduzir (quando não agrava) nossa precária situação social - ensino fundamental e médio medíocres e universidades de razoável instrução profissional e praticamente nula cultura cívica e geral, atendimento caótico nos serviços de saúde de responsabilidade pública, criminalidade e delitos de toda ordem praticados por todas as camadas da pirâmide social, comumente na esperança da impunidade decorrente da pusilanimidade da lei e das limitações da polícia e da Justiça.
Resultado: ao invés de políticas e projetos de desenvolvimento, hoje necessariamente temperados pela social-democracia, que resolvessem nossos problemas fundamentais e evitassem a crise caótica, vivemos um arremedo de neoterceiro-mundismo inibidor da integração saudável com o mundo desenvolvido, combinado com a prática de políticas e projetos populista-eleitoreiros que comprometem o equilíbrio fiscal e outros de fato convenientes, que se estendem no tempo e cujos contratos são onerados sistematicamente por aditivos que exponenciam os custos, por preparo e condução deficientes e nem sempre virtuosas (sejamos complacentes...), haja vista a avalanche de escândalos que se sucedem.
Poderemos evoluir para um modelo político eficiente e probo, com poucos partidos ideológica e pragmaticamente consistentes, responsáveis e balizados por ideias construtivas, poderemos evoluir para o fim desse modelo ilógico de dezenas de partidos amorfos, aglutinados em coligações inspiradas no poder e seu usufruto, com o partido protagônico vivendo a síndrome patológica do Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano, messiânico e pretendente à perpetuação no poder? Será que isso pode ocorrer num horizonte de tempo curto e dentro do balizamento da ordem democrática, sem traumas violentos? O momento político não estimula otimismo e o corolário dessa esperança frágil é a incerteza quanto ao encaminhamento correto da crise nacional.
Mas qualquer regime político que não produz poder político de qualidade, em particular o democrático, não é seguro. Mais dia, menos dia suas insuficiências estimulam no povo a esperança no salvacionismo de regime forte, já latente na alma cultural brasileira - à semelhança do ocaso catastrófico da República de Weimar, exemplo radical que felizmente a índole folgazã do povo brasileiro o faz inviável aqui. Entretanto, não estamos livres de um acerto entre o grande capital e o populismo (o macroescândalo da Petrobrás já sugere a hipótese) camuflado de democracia pela eleição (viciada...), em que o suposto messianismo salvador manobra os meandros tolerantes da dinâmica democrática para instituir suas medidas de conteúdo democrático no mínimo discutível - a exemplo do "controle social da mídia" - e conduzir soluções que não solucionam, se não agravam, o risco de crise nacional traumática.
A gravíssima crise de há 120 anos, nos 1890, foi controlada pela política austera do ministro da Fazenda Joaquim Murtinho. O Joaquim Levy chamado a resolver a não menos grave crise atual terá da presidente Dilma o apoio que Murtinho teve do presidente Campos Sales, para resistir às pressões contrárias à austeridade necessária, nos setores público e privado? A nova equipe econômica resistirá à pressão popular e, sobretudo, à congressual de inspiração patrimonialista ou paroquial-eleitoreira? Haverá associação de condutas entre Executivo e Legislativo, ou dissociação similar ao ocorrido no governo Collor?
O alerta está acionado e a luz amarela, acesa. Passará a verde? Ou vermelha?
A ver... E torcer.
*Mario Cesar Flores é almirante
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