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Amadorismo

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Por Redação
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Não bastasse a falta de visão estratégica do governo para melhorar a inserção brasileira nos mercados internacionais, o setor produtivo do País ainda é obrigado a conviver com as lambanças de uma administração que atinge, a cada dia que passa, novos patamares de amadorismo. Ao mesmo tempo que teimam em relegar o Brasil à categoria de mera testemunha marginal do processo de dinamização do comércio global, graças a suas convicções terceiro-mundistas, os governos petistas cometem erros tão primários que, não fossem lesivos aos interesses do País, seriam apenas cômicos.

Um caso exemplar, relatado pelo jornal Valor, é o de um tratado de comércio preferencial do Mercosul com a União Aduaneira da África Austral. Assinado em 2008, o acordo já foi ratificado por todos os envolvidos, menos pelo Brasil. O motivo é vergonhoso: embora o Congresso tenha aprovado o acordo em 2010, o texto não foi publicado porque continha diversos problemas de tradução.

Foram verificados nada menos que 205 erros na versão em português do texto original em inglês, alguns dos quais em relação à denominação dos produtos que são justamente o objeto do acordo. Os erros foram cometidos por uma empresa contratada pelo Itamaraty para fazer a versão encaminhada à ratificação do Congresso.

Mas a notícia de que o tratado ainda não entrou em vigor graças à troca de “azeite” por “óleo”, de “dia não útil” por “feriado” e de “triciclos e patinetes” por “outros brinquedos” é apenas a culminação de um processo que ilustra bem a que ponto chegou a diplomacia comercial brasileira. É uma história que vale ser contada.

O tratado começou a ser gestado há nada menos que 15 anos, quando o Mercosul iniciou tratativas para um acordo de livre-comércio com a África do Sul. Em 2003, a negociação foi estendida para envolver toda a União Aduaneira da África Austral – que, além da África do Sul, inclui Botsuana, Lesoto, Namíbia e Suazilândia. Os membros do Mercosul assinaram o tratado em dezembro de 2008, enquanto o bloco africano o firmou em abril de 2009. Em dezembro do ano seguinte, o Congresso brasileiro aprovou o acordo, bem como os Parlamentos dos demais países.

No entanto, quando o Executivo estava para publicar o decreto presidencial que promulgaria o acordo, o Itamaraty interrompeu o processo por ter detectado os erros de tradução. A correção deveria ser enviada ao Paraguai, que arquiva os acordos assinados do Mercosul, mas, como o país estava suspenso do bloco em razão da destituição do presidente Fernando Lugo, foi necessário mandar a nova tradução para o Uruguai, sede da secretaria administrativa.

Ao mesmo tempo, o Itamaraty teve de obter o aval de todas as partes signatárias para a nova versão. Todo esse processo foi concluído em julho de 2013. O tratado revisto foi então enviado à Casa Civil – e, por razões que somente a presidente Dilma Rousseff pode esclarecer, lá ficou dormitando até este ano.

Em março passado, o chanceler Mauro Vieira pediu a Dilma autorização para finalmente encaminhar o tratado revisado ao Congresso. Na mensagem, o ministro reconhece os erros de tradução que atrasaram o processo e pede nova ratificação dos parlamentares. Para acelerar a tramitação, Mauro Vieira sugere que o Congresso evite que o texto seja novamente submetido às diversas Comissões e faça a republicação por meio de decreto legislativo. “Passados seis anos desde a assinatura do ACP (Acordo de Comércio Preferencial), o Brasil é o único país signatário que ainda não ratificou o acordo”, escreveu Mauro Vieira – que enfatizou a necessidade de evitar que o Brasil cause “atraso adicional à entrada em vigor do acordo e à sua implementação”.

Embora não seja nada excepcional, o acordo demonstraria ao menos que algo está sendo feito pelo comércio exterior do País. Mas, como comprova esse espantoso caso, nem mesmo o declarado interesse pela África, tido como estratégico pelos governos petistas, é capaz de vencer a incompetência intrínseca de Dilma e sua turma.