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Ameaça ao programa anticrack

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Por Redação
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Seguindo a trilha aberta pela prefeitura do Rio de Janeiro, que passou a promover a internação compulsória de moradores de rua - inclusive menores de idade - viciados em crack, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, anunciou que o governo federal poderá ajudar financeiramente os Estados e municípios que adotarem a mesma estratégia. Em São Paulo, a Secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura divulgou, há duas semanas, um parecer técnico que dá a base jurídica para a implementação dessa política, por parte das Secretarias Municipais da Saúde e de Assistência Social. Preparado pela Procuradoria-Geral do Município, o parecer afirma que toxicômanos são considerados civilmente incapazes pela legislação em vigor, podendo assim ser levados à avaliação de um psiquiatra mesmo contra a vontade, desde que haja avaliação clínica prévia e autorização da Justiça. O parecer também afirma que crianças e adolescentes viciados não têm capacidade para decidir o que querem fazer. O argumento do ministro da Saúde é idêntico. Segundo Padilha, os viciados em crack, nos casos de dependência extrema, perdem o discernimento. "A internação clínica compulsória é ação de proteção à vida, desde que haja profissionais de saúde e de assistência social e após avaliação individual dos dependentes", diz ele. O problema é que, enquanto no Rio de Janeiro e em São Paulo as duas prefeituras mobilizaram-se institucionalmente para adotar essa estratégia, procurando agir de comum acordo com o Ministério Público e com os juízes das Varas da Infância e Juventude, em Brasília o ministro da Saúde não tem apoio nem mesmo na pasta que chefia. Subordinado a ele, o Departamento de Saúde Mental não chegou a um consenso sobre sua proposta. E esta, além disso, tem a oposição frontal da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad). Em entrevista concedida há três meses, quando anunciou a conclusão de uma pesquisa nacional sobre o consumo de drogas feita pela Senad, em colaboração com a Fiocruz e a Universidade de Princeton, a secretária Paulina Duarte afirmou que não há "epidemia de crack" e classificou como "pedagogia do terror" as campanhas institucionais contra o consumo de entorpecentes. "O que se tem no imaginário popular é que o Brasil está tomado pelo crack. Não há um exército de zumbis consumindo num só lugar, mas pequenas "cenas de uso". No levantamento, vimos pequenas cracolândias móveis, que migram em busca de melhores condições de sobrevivência. Combatem-se essas "cenas" com atendimento na rua, não com abordagem higienista, de recolher usuários", disse Paulina. A divergência entre o ministro da Saúde e a chefe da Senad é só um dos aspectos da questão da internação compulsória de moradores de rua viciados. Outro aspecto envolve o financiamento dessa política. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha afirmado durante a campanha eleitoral que o combate à droga seria uma das prioridades de sua gestão, desde sua posse o governo cortou pela metade as verbas previstas para o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack. Em audiência pública realizada recentemente no Congresso, a secretária Paulina Duarte deixou claro que, com o dinheiro à disposição, não conseguirá cumprir compromissos firmados no ano passado pelo governo do presidente Lula. Desde então, dirigentes do Conselho Federal de Medicina (CFM) acusam Dilma de ser "incoerente com compromissos assumidos durante a campanha" e afirmam que o corte das verbas federais mostra que ela jamais teria considerado o combate às drogas prioritário. Integrante da Comissão de Assuntos Sociais do CFM, o médico Ricardo Paiva diz que há um déficit de 7,5 mil leitos para atendimento de pacientes dependentes de crack que estão em fase de desintoxicação. "Existem atualmente 2,5 mil leitos e o próprio Ministério da Saúde afirma serem necessários 10 mil", afirma Paiva.Com o abandono das promessas de campanha e as divergências entre ministros com relação a questões importantes, o governo Dilma aos poucos vai pecando pela falta de ações coerentes em áreas essenciais, como saúde e segurança.