Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Ameaça ao Tesouro

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Perigo à vista para a economia nacional e para a maioria dos contribuintes. Ganha força no Congresso o movimento pela adoção do orçamento impositivo, já em vigor, há muito tempo, em países onde os parlamentares levam mais a sério as finanças públicas. O grande objetivo dos defensores da mudança é tornar obrigatória a liberação de recursos para os gastos orçamentários incluídos por meio de emendas individuais. Por enquanto, o assunto passou pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde foram aprovadas - isto é, consideradas admissíveis - 16 propostas de alteração constitucional. A aprovação, defendida pelo presidente da Câmara, Henrique Alves, foi simbólica, com aval de quase todos os partidos. Boa parte do PT resistiu, sem sucesso. O deputado Ricardo Berzoini, presidente do partido na época do dossiê dos aloprados, apoia a mudança. Uma das emendas torna crime de responsabilidade o descumprimento de qualquer parte do orçamento. "É uma aberração", disse o deputado Alessandro Molon (PT-RJ). O orçamento brasileiro é um dos mais engessados do mundo, mas o governo tem arbítrio pelo menos sobre uma parte das despesas discricionárias. Isso inclui as emendas de parlamentares, em geral paroquianas e concebidas para atender clientelas eleitorais. Algumas podem ter alguma utilidade, mas boa parte dos parlamentares, no Congresso, dá pouca ou nenhuma atenção a questões de interesse nacional. Brasília está cheia de vereadores com mandato federal. Nem é preciso, para avaliar a qualidade dessas emendas, lembrar os muitos casos de malandragem, com verbas destinadas a compras superfaturadas e a organizações dirigidas por laranjas.Mas a decisão do governo de atender os parlamentares ou de manter seus projetos na geladeira depende também, e com muita frequência, de considerações de outro tipo. No sistema brasileiro, o arbítrio sobre a liberação dessas verbas aumenta perigosamente o poder de barganha do Executivo e, especialmente, de mobilização de apoio para votações importantes e difíceis. O chamado orçamento autorizativo, em vigor no Brasil, é também um importante recurso político à disposição de um Executivo já demais poderoso. Os defensores do orçamento impositivo poderiam incluir esses dados em sua argumentação, mas não se poderia levá-los a sério. A alegação soaria falsa, no caso da maior parte dos parlamentares. Antes de reclamar um controle maior da política orçamentária, eles deveriam demonstrar maior apreço pela saúde das finanças públicas, maior respeito ao dinheiro do contribuinte e maior empenho na execução das tarefas próprias de congressistas. A evolução das finanças públicas é parte importante da história do Estado moderno e principalmente das democracias mais avançadas. O controle parlamentar do orçamento foi uma conquista de cidadãos empenhados em disciplinar a ação dos reis e, de modo especial, em limitar seu poder de ir à guerra.A maior parte dos congressistas brasileiros age como se o orçamento público fosse meramente uma fonte de recursos para seus objetivos privados, eleitorais ou de outra ordem. A eficiência no uso correto do dinheiro público é assunto de menor importância. Ainda menor é a preocupação com o equilíbrio e a sustentabilidade das contas oficiais. Tudo se passa, no dia a dia, como se esse tipo de preocupação coubesse apenas ao Executivo e, de modo especial, aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento. Fora do Executivo, invoca-se a independência dos Poderes para defender o direito de gastar, embora só haja um Tesouro Nacional. Mas há argumentos mais simples, e evidentes para todos, contra a adoção do orçamento impositivo. Com frequência, os parlamentares têm deixado de aprovar a proposta orçamentária no prazo, antes do recesso do fim do ano. Mostram escandaloso desprezo a um dos rituais mais importantes da democracia. Esses mesmos parlamentares deixaram acumular mais de 3 mil vetos presidenciais, como se fossem dispensados de votá-los. São, na maior parte, incapazes de respeitar a própria função. Não têm, portanto, autoridade moral para exigir maior controle sobre o dinheiro público.