Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Anac não sabe seu papel

Crise se resolve atacando suas causas, e não repassando seus efeitos a terceiros

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Parece que a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não sabe qual é a sua finalidade e vem atuando como se fosse sua obrigação dar soluções à difícil situação financeira das empresas aéreas. Definido por lei, seu papel é regular e fiscalizar as atividades da aviação civil e a infraestrutura aeronáutica e aeroportuária no País. Cuidar do interesse privado das empresas é função das empresas. Cabe à Anac cuidar do interesse público – cuidado que deve incluir primariamente o compromisso inegociável com o interesse do passageiro.

Com o discurso de que há um excesso de regulamentação do setor aéreo – que levaria a um encarecimento dos bilhetes e a um ambiente de negócios difícil para as empresas –, a Anac vem anunciando a intenção de reduzir as obrigações das companhias aéreas. Promete que, assim, conseguirá atrair mais empresas e mais investimentos para o setor e que, ao final, quem sairá ganhando é o consumidor, com passagens mais baratas e maior liberdade de escolha na hora de viajar. A realidade, porém, não é assim tão simples.

Na audiência pública realizada no primeiro semestre a respeito da revisão das Condições Gerais de Transporte Aéreo (CGTA), a Anac anunciou, por exemplo, a intenção de extinguir a franquia obrigatória para bagagem despachada. Com a mudança proposta, o passageiro teria direito a levar apenas uma mala de mão. A agência reguladora chama isso de avanço, afirmando que o sistema atual é injusto, pois faz com que todos os passageiros paguem por um serviço que nem todos usam – o despacho de bagagem.

A Anac não vê, porém, o que por lei deveria ver – o interesse do passageiro. Não é preciso fazer grande especulação para saber que a nova modalidade não levará a um barateamento dos bilhetes. Simplesmente fará com que o passageiro que precisar despachar sua mala pague uma taxa adicional pelo serviço. Do ponto de vista do passageiro, o único avanço será sobre o seu bolso.

A retórica da desregulamentação do setor aéreo vende também a promessa da entrada das empresas aéreas low cost (de baixo custo). Segundo esse discurso, as excessivas obrigações impostas pelo poder público às companhias aéreas impedem a operação low cost no País, numa distorção não vista em países desenvolvidos. Sendo assim, bastaria desregulamentar para que o mercado nacional fosse beneficiado por uma abundante oferta de voos acessíveis a todas as classes sociais.

Simplista, tal argumentação não condiz com a realidade. Importantes empresas do setor começaram suas operações no País afirmando serem empresas low cost. O baixo custo foi, no entanto, uma espécie de promoção de inauguração. Não precisou de muito tempo para que elas passassem a operar com preços similares – e até maiores – que as companhias tradicionais.

As críticas à “excessiva regulamentação” poderiam ter algum fundamento se o setor aéreo brasileiro apresentasse um patamar de serviços superior ao que se encontra no restante do mundo. Teríamos assim uma legislação de país rico dentro de um contexto social pobre que, portanto, não atenderia às necessidades do passageiro brasileiro. O que ocorre é que, com frequência, os serviços são de péssima qualidade, evidenciando um desprezo pelo passageiro. Certamente haveria outro padrão de qualidade se a Anac se dispusesse a cuidar tão somente do que lhe cabe por lei, sem se preocupar tanto em remendar a vida financeira das empresas.

É séria a atual crise das companhias aéreas. A culpa, porém, não é da regulamentação existente – como a limitação de participação do capital estrangeiro nas companhias –, e sim do modelo de gestão adotado pelas próprias empresas. Tanto é assim que, mesmo com preços de passagens que não podem ser chamados de módicos e raros voos vazios, as companhias passam por graves dificuldades de caixa.

Crise se resolve atacando suas causas, e não repassando seus efeitos a terceiros.