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Anteprojeto polêmico

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Por Redação
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Em audiência publica para discutir o anteprojeto do novo Código Penal, em tramitação no Senado, realizada na semana passada no Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), criminalistas de diversas orientações doutrinárias foram unânimes na rejeição daquele texto. Alguns chegaram a classificar o anteprojeto como "obsceno" e a maioria afirmou que, se for convertido em lei, ampliará significativamente o número de presos no País.Com 543 artigos, o anteprojeto do novo Código Penal foi preparado por uma comissão de juristas indicada pelo presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), e chefiada pelo ex-corregedor do Conselho Nacional de Justiça e atual vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro Gilson Dipp. A comissão foi instalada em novembro de 2011 e concluiu seu trabalho em junho deste ano, depois de receber centenas de sugestões - muitas das quais propondo a redução da maioridade penal, o aumento de rigor nas punições e a revisão das leis sobre menores infratores.Segundo criminalistas que participaram da audiência pública promovida pelo IBCCrim, o anteprojeto foi elaborado apressadamente, para atender às conveniências de senadores do PMDB. Afirmaram, ainda, que as sugestões encaminhadas pelos diferentes setores da sociedade civil foram analisadas sem critérios objetivos. Lembraram, também, que um dos principais redatores do anteprojeto, o jurista René Dotti, abandonou a comissão, por entender que ela cedia a interesses políticos, a grupos de pressão e a corporações profissionais. Presente à audiência pública do IBCCrim, Dotti apontou diversos artigos do anteprojeto que, em sua opinião, misturam conceitos jurídicos com modismos doutrinários e concessões ideológicas. Num desses artigos, disse ele, a comissão teria acolhido as pretensões do Movimento dos Sem-Terra (MST), retirando os movimentos sociais do rol de possíveis autores de crimes de terrorismo. "Essa exclusão é inconstitucional. Por que não dizer isso abertamente? O MST tem proposta altamente social, sem dúvida alguma. Nada contra o MST como instituição, mas, sim, quando ele comete algum crime", afirmou Dotti, que é titular de direito penal da Universidade Federal do Paraná.No mesmo tom, outros criminalistas afirmaram que o anteprojeto parece liberal à primeira vista, mas é autoritário em seu alcance. Segundo eles, no caso dos crimes de imprensa, por exemplo, as sanções previstas são maiores do que as estabelecidas pela antiga Lei de Imprensa - revogada por ser considerada entulho autoritário. Titular de direito penal da USP e ex-ministro da Justiça, o jurista Miguel Reale Júnior foi ainda mais contundente, acusando os membros da comissão do Senado de carecerem de preparo teórico, formação científica e experiência legislativa para conduzir a reforma do Código Penal. Para Reale Júnior, eles teriam cometido erros banais na redação de alguns dispositivos, confundindo termos técnicos na tipificação de delitos, recorrendo a uma linguagem "indecifrável" em alguns artigos e substituindo conceitos objetivos por afirmações doutrinárias e políticas. "Há erros da maior gravidade técnica com relação à criação dos tipos penais. A maior gravidade está na parte geral, onde questões relevantes não foram tratadas de modo técnico e científico, revelando que os membros da comissão não tinham o mínimo conhecimento de dogmática penal e da estrutura dos crimes. Não se pode fazer teoria no Código Penal. O anteprojeto é de envergonhar a ciência jurídica, ele não tem conserto", afirmou o ex-ministro. Durante a audiência pública do IBCCrim, diretores da entidade e do Instituto Manoel Pedro Pimentel, vinculado à USP, lançaram um manifesto, pedindo a suspensão da tramitação do anteprojeto do Código Penal e alegando que "uma proposta de crimes e penas dirigidas para milhões de brasileiros" não pode ser aprovada apenas para satisfazer ambições políticas de alguns senadores. O atual Código Penal está em vigor desde 1940. Sua reforma é necessária e oportuna, mas não do modo como vem sendo conduzida.