17 de novembro de 2015 | 02h55
É claro que, como cidadão, Ricardo Lewandowski tem todo o direito de cultivar e defender convicções políticas, mas ele é o chefe do Poder Judiciário, condição da qual, mesmo que queira, não pode se alienar por um momento sequer. Coisas do ofício que ele abraçou. E, nessa condição, não cabe a ele se manifestar sobre questões delicadas que, num ambiente político conturbado como o atual, podem facilmente transformar o debate democrático em mero embate de paixões, como também ressaltado no editorial de ontem.
Não hesitou o ministro-presidente do STF em acenar com a ameaça de o País reviver o pesadelo da ditadura militar – retrocesso contra o qual o Judiciário se tem colocado como sólida barreira –, ao recorrer ao conhecido discurso do medo: “Temos de ter a paciência de aguentar mais três anos sem nenhum golpe institucional. Esses três anos (se houvesse um ‘golpe’) poderiam cobrar o preço de uma volta ao passado tenebroso de 30 anos atrás”.
O presidente do Supremo, com a sua fala infeliz, demonstrou não se ter dado conta de não haver condições para a tal “volta ao passado” que teme. No domingo, aliás, publicamos o editorial Os militares e a democracia exaltando a incondicional adesão dos cidadãos fardados às instituições e aos princípios democráticos.
Para Lewandowski, as duras críticas que o governo de Dilma Rousseff tem recebido de todos os setores da sociedade não passam de “cortina de fumaça” a encobrir desígnios suspeitos. E garantiu: “O STF está atento também, não está se deixando envolver emocionalmente por esses percalços que estamos vivendo. E, insisto, esses percalços são passageiros”.
Certamente, o STF, como instituição, não teria como nem por que envolver-se “emocionalmente” na atual crise política, o que já não se pode dizer de seu presidente, a julgar por suas próprias palavras. Pois não há outra explicação para o fato de Lewandowski agir como porta-voz do Planalto e expor-se ao risco de “insistir” em que “esses percalços são passageiros”. Arroubos dessa natureza comprometem o fundamento do sistema democrático que, ao mesmo tempo, garante a autonomia e a independência dos Poderes da República e delas depende.
Ricardo Lewandowski também revelou uma posição incompatível com a de guardião da Constituição ao criticar o Congresso porque “deixou de lado a sua função legislativa e passou a exercer uma função investigativa”, como se essa função investigativa não fosse decorrência natural da responsabilidade constitucional do Parlamento de fiscalizar os atos do Executivo. Mas ele próprio admitiu aos estudantes ter dúvidas sobre a questão: “Essa ideia de separação tão absoluta de Poderes, hoje, não sei se ainda vigora”. Pelo sim, pelo não, foi a Constituição vigente, que consagra a divisão de Poderes, que o ministro do STF jurou cumprir e fazer respeitar.
Para não deixar dúvidas sobre quais são suas afinidades políticas, o presidente do STF fez coro à desconfiança dos atuais donos do poder em relação à imprensa: “O País está funcionando. Há uma crise, a meu ver artificial. É claro que há uma crise. Mas é uma crise de desconfiança. Também, de certa maneira, insuflada diariamente pela mídia”.
Generoso com seu colega, o ministro Marco Aurélio Mello classificou as palavras de Lewandowski como um “arroubo de retórica”. A Nação, preocupada, espera que tenha sido apenas isso.
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