Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Apetite voraz

Evo Morales não digeriu bem o 'não' dado pela maioria dos bolivianos no plebiscito realizado em fevereiro de 2016

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Evo Morales é o presidente boliviano há mais tempo no cargo. Ele assumiu em janeiro de 2006, exerce o terceiro mandato e pretende disputar o quarto. Caso seja reeleito mais uma vez, poderá ficar no poder até 2025. É provável que consiga. As barreiras legais que continham seu apetite voraz e desapreço pela alternância de poder - pilar da democracia - foram derrubadas por ordem da Justiça.

Na terça-feira passada, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia, em reunião extraordinária no final do dia, decidiu que tanto Morales como seu vice, Álvaro García Linera, poderão disputar as prévias eleitorais em janeiro pelo partido Movimento para o Socialismo (MAS) e, assim, tentar uma vaga para a chapa presidencial nas eleições gerais de outubro do ano que vem.

Causa estranheza o fato de o TSE ter convocado uma sessão emergencial para tratar do caso de Morales, haja vista que o prazo legal para o pronunciamento da Corte sobre a possibilidade da nova candidatura se encerrará no sábado, dia 8.

Evo Morales não digeriu bem o “não” dado pela maioria dos bolivianos no plebiscito realizado em fevereiro de 2016 e, desde então, vem mantendo uma batalha judicial, por meio de seus acólitos, para se perpetuar no poder por meios que nada têm de genuinamente democráticos.

Àquela época, o presidente pretendia reformar a Constituição para que pudesse concorrer a um novo mandato (2020-2025). A Lei Maior da Bolívia, no entanto, permite apenas duas reeleições consecutivas. Imaginando ter amplo apoio popular para uma nova investida eleitoral, Morales convocou o plebiscito que, em sua visão, daria ainda mais força para a reforma constitucional que pretendia implementar. Mas faltou combinar com o povo. O “não” venceu com 51,3% dos votos.

Ou seja, Morales e Linera estavam impedidos, por força constitucional e desejo da maioria, de tentar obter a terceira reeleição. O “sim” recebeu apoio de 48,7% dos bolivianos. Nem com essa demonstração do desejo da maioria dos bolivianos ele desistiu.

Um ano após a consulta popular, o Tribunal Constitucional (TC) da Bolívia, instância máxima do Judiciário no país andino, acolheu um recurso de partidários de Evo Morales e - sabe-se lá como - declarou suspenso o artigo da Carta Magna que vedava duas reeleições consecutivas. A Corte Suprema entendeu que a proibição “feria direitos políticos” do presidente e de seu vice, devendo prevalecer não o texto constitucional da Bolívia, mas a Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o país é signatário.

O documento acolhido pelo TC apregoa que todos os cidadãos têm o direito “de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores”, sem definir prazos. Ante a omissão, prevaleceu a interpretação marota que dá a Evo Morales a chance de ser eleito novamente.

Parlamentares aliados de Evo Morales defenderam a decisão da Corte Suprema, que rasgou a própria Constituição do país, argumentando que o TC “é a última instância para decidir sobre temas polêmicos na Bolívia”. Ou seja, um plebiscito convocado pelo governo, mesmo que transcorra normalmente, só vale se resultar favorável aos interesses de quem o convoca. Se é assim, melhor seria poupar recursos públicos - que não são abundantes na Bolívia - e não convidar o povo a manifestar sua vontade por meio de plebiscitos.

A presidente do TSE, María Cristina Choque, convocou a imprensa, sem permitir qualquer pergunta dos jornalistas, para informar que as pré-candidaturas haviam sido autorizadas pela Corte, entre elas a chapa de Morales e Linera. Contra eles, há outras sete chapas.

A Justiça, que tem garantido ao presidente Morales tudo o que ele quer, proporcionou-lhe agora oportunidade de concorrer ao quarto mandato. O povo, então, decidirá em outubro, por meio do voto, se aceita ou não tê-lo à frente do governo por mais cinco anos. É assim que se faz um simulacro de democracia.