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Apoio sem tréguas

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Por Celso Campilongo e Roberto Pfeiffer
3 min de leitura

Nos anos 1940, Agamenon Magalhães dizia que sua luta pela regulamentação do artigo 148 da Constituição de 1946, que mandava reprimir o abuso de poder econômico, sofria uma "reação sem tréguas". Com economia modesta, industrialização tímida, vida urbana acanhada e mercado consumidor diminuto, é fácil compreender, hoje, as resistências daqueles tempos. O Brasil mudou muito. Mais de meio século depois, a experiência acumulada na aplicação de várias leis concorrenciais - notadamente a atual Lei 8.884/94 - e o amadurecimento da economia e do empresariado mostram um "apoio sem tréguas" ao aperfeiçoamento do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. O Brasil sabe que inovação, eficiência, competitividade e bem-estar do consumidor carecem de modelo ágil de tutela da concorrência.Após uma longa tramitação no Poder Legislativo, finalmente falta pouco para que o projeto de lei que aprimora o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) seja aprovado. O Projeto de Lei n.º 06/09 está na pauta do esforço concentrado do Senado nos próximos dias. O aperfeiçoamento da defesa da concorrência transcende partidos: a iniciativa de reformar a atual lei nasceu no governo Fernando Henrique Cardoso e recebeu apoio do presidente Lula. A classe empresarial clama pelo aperfeiçoamento. Ninguém tolera a indesculpável demora no exame de grandes concentrações e de condutas anticompetitivas. Órgãos de defesa do consumidor, comunidade antitruste internacional e acadêmicos que se ocupam do tema apoiam a iniciativa. O projeto foi aprovado na Câmara dos Deputados. Recebeu pareceres favoráveis de cinco comissões do Senado. Não conta com oposição política. Não atrapalha a agenda eleitoral. O Cade goza de prestígio e respeito. Enfim, o projeto está maduro. Daí o "apoio sem tréguas". Resta aprová-lo.Subsistem poucas críticas técnicas ao projeto. Várias emendas o escoimaram dos problemas iniciais. É claro que sempre existirão sugestões relevantes não aproveitadas, persistência de equívocos e problemas não enfrentados. Uma coisa, porém, é certíssima: se comparada à lei atual, a proposta legislativa em votação representa enorme salto qualitativo. Elimina adequadamente os principais entraves da legislação vigente, em especial os dois maiores problemas enfrentados pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência: o deficiente controle de concentrações e a estrutura inadequada.O atual controle de fusões empresariais é anacrônico, por ocorrer posteriormente à concretização do ato de concentração. Assim, pela atual lei, os atos de concentração podem ser consumados e somente serão notificados 15 dias após a sua realização, produzindo efeitos enquanto aguardam o julgamento do Cade. O procedimento estimula a morosidade na análise, a pressão por sua aprovação e a insatisfação das empresas com os prejuízos daí decorrentes.O projeto aprovado na Câmara dos Deputados torna prévio o controle de atos de concentração. As fusões serão notificadas previamente à celebração do negócio. Não gerarão efeitos antes de serem apreciadas, sob pena de nulidade. Sairá reforçada a função preventiva do direito da concorrência, reforçando a sua contribuição para o bem-estar do consumidor e o desenvolvimento econômico.Em contrapartida, a proposta estabelece prazo máximo de 180 dias para exame do ato de concentração. Atualmente, as operações complexas consomem um tempo excessivo para serem julgadas.Ademais, o projeto estabelece ritos diferenciados para análise das operações: fusões simples serão apreciadas em poucos dias, reservando-se prazos maiores para fusões complexas. É criada a figura do acordo em atos de concentração, que estimulará as empresas a restringirem o âmbito das fusões, para que possam ser aprovadas. A atual estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é caracterizada pelo excesso de órgãos, gerando morosidade e desperdício dos escassos recursos humanos existentes. O projeto aprovado pela Câmara dos Deputados unifica todas as estruturas decisórias no Cade, extinguindo a Secretaria de Direito Econômico, o que, inclusive, abrirá o espaço necessário para a criação de uma Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, antiga reivindicação da sociedade.Serão, ainda, criados 200 cargos de especialista em Gestão Governamental para progressiva alocação no Cade, medida necessária para a plena efetividade da defesa da concorrência, já que a falta de pessoal é um dos problemas que causam morosidade na apreciação de processos mais complexos e atrasam a repressão a cartéis.Assim, é imprescindível a reforma da Lei de Defesa da Concorrência, merecendo apoio o Projeto de Lei n.º 06/09. Espera-se do Senado Federal a marcação desse tento. O Estado brasileiro assume, cada vez mais, o papel estratégico de coordenar e estimular a atividade produtiva com investimento público e políticas industriais, cobrar eficiência e competitividade do setor privado, incentivar a inovação e tutelar o bem-estar do consumidor, tudo sem perder de vista a garantia constitucional da livre concorrência.A economia brasileira não pode ficar à margem dos avanços institucionais que o antitruste incorporou ultimamente. O Brasil ganhou expressivo contingente de consumidores. O País mudou de patamar. As expectativas para os próximos anos são ótimas. Pôr à disposição dos brasileiros os mais modernos instrumentos de ordenação jurídica dos mercados - tutela do consumidor e tutela da concorrência - é tarefa inadiável. Oportunidade ímpar para o desenvolvimento nacional.EX-CONSELHEIROS DO CADE, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSOR DAS FACULDADES DE DIREITO DA USP E DA PUC-SP, E DOUTOR PELA USP, PROFESSOR DA FGV-SP (GVLAW) E DIRETOR DO PROCON-SP