Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Argentina, primeira baixa

O Brasil é o menos vulnerável à instabilidade internacional, mas tem de se preparar para um quadro menos benigno

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

Pressionado pela sangria de dólares e a um passo de uma crise cambial, o presidente Mauricio Macri escolheu o caminho mais seguro ao pedir ajuda ao Fundo Monetário Internacional (FMI). Com dívida externa estimada em cerca de US$ 340 bilhões, um enorme buraco no balanço de pagamentos e muita dependência de financiamento estrangeiro, a Argentina está especialmente vulnerável a qualquer turbulência internacional. Além disso, a inflação continua acima de 25% ao ano e o ajuste das contas públicas está longe de se completar. Anunciada na terça-feira passada, a decisão de buscar ajuda foi saudada com uma nota simpática pela diretora-gerente do Fundo, Christine Lagarde. No dia seguinte, em Washington, uma equipe chefiada pelo ministro da Fazenda, Nicolás Dujovne, começou a negociação.

O governo argentino pretende, segundo as primeiras notícias, conseguir um empréstimo de US$ 30 bilhões. Não está claro se esse dinheiro será suficiente para criar a imagem de segurança tão importante neste momento e pelo menos na fase inicial do programa. O apoio do FMI provavelmente envolverá condicionalidades. De toda forma, o presidente Macri e sua equipe quase certamente buscarão apressar o conserto das contas públicas. Economistas e dirigentes do Fundo já haviam criticado o gradualismo seguido até agora e recomendado medidas menos suaves. Mesmo na Argentina especialistas têm feito reparos à lentidão do ajuste, uma estratégia escolhida em boa parte por falta de apoio político a medidas mais severas.

No ano passado o déficit fiscal argentino, incluída a conta de juros, ficou em 6% do Produto Interno Bruto (PIB). O resultado foi melhor que o brasileiro (déficit de 7,8%), mas outros indicadores importantes são muito piores. A inflação na Argentina fechou 2017 em 24,8% e a taxa acumulada em 12 meses tem oscilado em cerca de 25% (no caso brasileiro, menos de 3% até agora). Além disso, as contas externas estão muito frágeis. No ano passado o déficit em conta corrente bateu em 4,8% do PIB, na Argentina, enquanto no Brasil ficou limitado a 0,5%.

A conta corrente é o conjunto formado pelo comércio de mercadorias, pelas transações com serviços (como fretes, viagens e assistência técnica) e pelo movimento de rendas (como pagamento e recebimento de juros, lucros e royalties). No Brasil, o superávit no comércio de bens torna administráveis as transações correntes, financiadas facilmente, e de forma produtiva, pelo ingresso de investimentos diretos. Na Argentina, a conta comercial tem sido frequentemente deficitária. Em 2017, as importações superaram por US$ 8,67 bilhões o valor exportado. A conta continua em vermelho. Também o comércio com o Brasil, principal parceiro, tem sido deficitário.

O presidente Mauricio Macri assumiu o governo em dezembro de 2015 com promessas de normalizar a relação com os credores externos, ajustar as contas públicas, conter a inflação, abrir a economia, apoiar a integração do Mercosul no mercado global e promover ganhos de eficiência. Seria o abandono do desastroso populismo kirchnerista. Houve avanços no cumprimento das promessas, mas o gradualismo e a resistência à mudança retardaram os efeitos.

De toda forma, a Argentina agora em busca de ajuda do FMI é um país mais moderno e mais confiável que o dos Kirchners. Durante anos, tabelas sobre a América do Sul publicadas pelo FMI vieram com ressalvas, em notas, sobre a confiabilidade dos números oficiais argentinos, notoriamente adulterados pelo governo.

A Argentina é a primeira baixa notável da nova fase de instabilidade financeira internacional, produto de temores quanto ao ritmo de alta dos juros americanos, de insegurança geopolítica e de oscilações no mercado de petróleo. O Brasil é menos vulnerável e o risco de contágio parece baixo. Mas o dólar tem subido também contra o real e o alerta é claro: o País tem de ser preparado para um quadro externo menos benigno. Ajustes e reformas são indispensáveis.