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Arrecadando a inflação

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Por Redação
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O brasileiro está pagando mais impostos por causa da inflação. A arrecadação de tributos aumenta não só por causa do crescimento econômico, mas também como consequência da elevação dos preços. Mais negócios, mais salários e mais empregos formais tendem a reforçar a receita pública. Mas, ao mesmo tempo, o encarecimento de bens e serviços de todos os tipos força empresas e consumidores a entregar mais dinheiro aos cofres do governo, em todos os níveis da administração. Nos dois primeiros meses deste ano, o governo central arrecadou, a preços correntes, 20,5% mais que no primeiro bimestre de 2010. O Produto Interno Bruto (PIB) acumulou, nesse intervalo, crescimento também nominal de 11,3%, segundo estimativa do Ministério da Fazenda. A diferença entre os dois números, 8,3%, é em parte explicável pela evolução dos preços e de seus efeitos nas despesas do consumidor, assim como no faturamento e no lucro das empresas. Uma análise da arrecadação administrada pela Receita Federal do Brasil mostra como a inflação tem contribuído para alimentar os cofres públicos, segundo reportagem publicada no jornal Valor nessa segunda-feira. A preços correntes, aquela arrecadação correspondeu a R$ 150 bilhões. Esse valor foi R$ 25,9 bilhões superior à receita nominal de janeiro e fevereiro do ano anterior, R$ 124,1 bilhões. A inflação, segundo análise do Ministério citada na reportagem, proporcionou ao governo R$ 7 bilhões, 27,1% daquela diferença. O efeito do aumento de preços foi particularmente sensível no Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e no PIS/Cofins, por causa de seu reflexo no faturamento e no lucro das empresas. Esse cálculo mostra apenas uma parte da história. Impostos indiretos são também afetados pelo aumento de preços e isso beneficia tanto a arrecadação federal como a dos Estados. O tributo indireto mais importante do Brasil é também a principal fonte de receita própria dos Estados - o ICMS. Esse imposto reflete com rapidez toda variação de custos e preços. A cada aumento do custo de vida, o consumidor entrega mais dinheiro para a empresa varejista e também para o governo estadual - e, indiretamente, para o municipal, porque parte da receita é transferida às prefeituras. Cada aumento de um ponto porcentual na inflação gera um aumento de 0,61% na arrecadação federal. O Ministério da Fazenda tem levado em conta essa proporção, ao rever sua estimativa da receita. Entre março de 2010 e fevereiro de 2011 o índice usado nessa estimativa passou de 4,66% para 7,15%, refletindo a aceleração inflacionária. O efeito da alta de preços nas contas públicas tornou-se, desde o Plano Real, nos anos 90, muito menos sensível do que nas duas décadas anteriores. A maior parte dos brasileiros pouco sabe - ou se lembra - daquele período, quando os preços podiam subir em uma semana tanto quanto sobem atualmente em 12 meses. Mas o governo, naquela fase, criou mecanismos não só para proteger sua receita, mas até para ganhar com a alta de preços. Nos últimos anos de inflação quase desenfreada, a mera diferença entre o prazo de arrecadação de impostos e o do pagamento das contas públicas bastava para beneficiar o Tesouro. O contribuinte pagava correção monetária sobre os impostos, quando os pagava com atraso. O Tesouro podia atrasar os próprios pagamentos sem suportar esse custo. O governo também ganhava - e continua ganhando - ao deixar de corrigir a Tabela do Imposto de Renda com base na inflação. A consequência era um confisco mal disfarçado de parte dos reajustes salariais. A inflação foi há muito tempo qualificada como o mais iníquo dos impostos. É normalmente provocada pelo excesso de gastos públicos - quase sempre sancionado pela expansão monetária - e atinge mais duramente as pessoas mais pobres e mais indefesas. Muitas famílias elevaram seu padrão de consumo quando a inflação se tornou razoavelmente controlada. Se a política anti-inflacionária for relaxada, o maior prejuízo será dessas famílias. O governo saberá como se proteger, mas deixará de cumprir seu papel.