Imagem ex-librisOpinião do Estadão

As cargas da recuperação

Novo recorde na safra de grãos e o começo de recuperação de importantes segmentos da indústria estimularam os transportes e o armazenamento nos primeiros meses do ano

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O novo recorde na safra de grãos e o começo de recuperação de importantes segmentos da indústria estimularam os transportes e o armazenamento nos primeiros meses do ano. Em maio, os serviços prestados pelo setor de transportes, atividades auxiliares e correio superaram por 4,9% os de um ano antes. O aumento, nessa comparação, foi de 3,2% para o transporte terrestre e de 25,7% para o aquaviário – neste caso, um reflexo da produção agrícola e do aumento geral das exportações. Em conjunto, no entanto, o total de serviços prestados ainda foi 1,9% menor que o de maio de 2016. Isso reflete principalmente o desemprego ainda muito alto e a moderação dos consumidores, inseguros, seletivos e cautelosos na retomada dos gastos.

O desempenho do setor de serviços, no Brasil, é principalmente um reflexo das condições da indústria e do agronegócio. O peso do setor na formação do Produto Interno Bruto é muito grande, de cerca de 60%, mas sua dependência em relação às atividades produtoras é também muito grande.

O quadro seria diferente, com certeza, se o País dispusesse de uma atividade turística semelhante à da Espanha, por exemplo, ou de empresas prestadoras de serviços com grande presença no mercado internacional. É ilusão, portanto, esperar dos serviços uma importante contribuição autônoma ao crescimento, como pode ocorrer, só para lembrar o exemplo inicial, nos países com grande turismo receptivo.

Pelas características do setor, o ritmo de atividade na área de serviços é um bom indicador, portanto, das condições dos segmentos produtores de bens. As boas notícias, neste momento, vêm do desempenho do segmento de transportes, nos últimos meses, e da relativa estabilidade do conjunto. A trajetória dos serviços foi de recuperação a partir de novembro. Houve recuo de 2,6% em março, uma reação em abril e um crescimento muito pequeno, de 0,1%, em maio.

A perda acumulada em 12 meses passou de 5% em abril para 4,7% no mês seguinte. A evolução a partir daí será verificada quando os efeitos econômicos da crise política ficarem mais claros. Esses efeitos serão visíveis principalmente na atividade industrial, no consumo e no mercado de trabalho, com ligeira melhora nos últimos meses. A desocupação continua assustadora, com mais de 13 milhões de pessoas em busca de trabalho, e a criação de vagas acompanha geralmente com atraso a mudança de ciclo. Mas a pequena redução da taxa e a maior oferta de postos na indústria são indícios animadores.

Um dado especialmente importante foi adicionado ao quadro geral com um relatório publicado ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Entre janeiro e março, os custos industriais ficaram praticamente estáveis em relação aos do trimestre final do ano passado, com aumento de apenas 0,1%. A estabilização é explicável principalmente pela diminuição do custo do capital de giro. O indicador desse item baixou 5,2% em relação ao nível do trimestre anterior e 19,5% no confronto com o dado de um ano antes.

Essa melhora é consequência da ação do Banco Central (BC) no combate à inflação e, em seguida, na redução da taxa básica de juros, a Selic. Sem o freio imposto à alta de preços teria sido impossível – pelos padrões de uma política monetária responsável – cortar os juros a partir de outubro. Mas a queda do ritmo inflacionário foi apenas um dos fatores levados em conta nas decisões sobre o custo do dinheiro. O avanço nas medidas de ajuste das contas públicas, desde a aprovação do teto de gastos, e o compromisso do governo com a pauta de reformas ajudaram a conter as expectativas de inflação. O baixo nível de atividade ajudou a frear os preços, mas a política anti-inflacionária, reforçada pelo programa de ajustes, teve importância decisiva. O governo anterior havia deixado como herança uma combinação devastadora de recessão profunda e inflação acelerada.

Nem todos, em Brasília, reconhecem esses dados. Nem todos, portanto, estão interessados em evitar uma recaída no atoleiro – um dos perigos embutidos na crise política.