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As duas faces do Fisco

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Por Redação
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Contribuintes que caíram na malha fina ou têm dúvida sobre o processamento do seu Imposto de Renda (IR) já podem pedir à Receita Federal, via internet, um extrato atualizado das declarações dos anos 2004 a 2009, para verificar eventuais pendências e como resolvê-las. O acesso online aos bancos de dados do Fisco, que facilita a vida das pessoas físicas, é uma inovação positiva, que substitui o tratamento truculento que a Fazenda Nacional costuma dispensar aos contribuintes e empresas considerados em mora. Declararam Imposto de Renda, neste ano, 25,5 milhões de contribuintes. Num universo dessa amplitude, é normal que dezenas de milhares de contribuintes tenham cometido pequenos erros, como a troca dos números dos CPFs de médicos ou dentistas que lhes prestaram serviços ou a omissão de alguma renda eventual. Graças ao aperfeiçoamento dos bancos de dados da Receita, as declarações com esses problemas são glosadas e as restituições, retardadas. Nestes casos, a Receita informava apenas que havia pendências. Agora, com o novo sistema, dá pormenores sobre os erros encontrados. Basta entrar na página da Receita na internet, usando um código de acesso ou a certificação digital. "Antes, havia um extrato muito simplificado. A nova medida permite ao contribuinte resolver suas pendências", declarou a coordenadora de Atendimento e Educação Fiscal da Receita, Maria Helena Cardozo. As novas tecnologias incorporadas pela Receita simplificaram o envio de declarações retificadoras, e, com isso, os contribuintes ainda não notificados pelo Fisco, mas que cometeram equívocos em suas declarações, evitam contenciosos administrativos e judiciais sempre onerosos. Na semana passada, foi aberta a possibilidade de contato direto do contribuinte com a fiscalização, via telefone celular. Ainda entre as facilidades que a Receita tem oferecido ao contribuinte, foram conferidas prioridades aos idosos e aos que entregam a declaração mais cedo ou pela internet, que recebem as restituições antes dos demais. A Instrução Normativa 936, de maio, regulou a devolução do IR recolhido a maior sobre o período de 10 dias de férias recebido em dinheiro, que não é mais incluído na renda tributável. Essas medidas ajudam tanto os contribuintes como a Receita, que reduz o volume de pendências e pode dedicar mais tempo a casos difíceis. Mas a Receita não perdeu o hábito de baixar regras draconianas e de tratar todo contribuinte como um potencial sonegador. Além do aumento da carga tributária, mediante o congelamento das tabelas de Imposto de Renda na Fonte (corrigidas em proporções muito inferiores às da inflação), constata-se agora a "tortura fiscal" dispensada aos contribuintes qualificados pela Receita como devedores em atraso - embora nem sempre o sejam -, como mostrou o ex-procurador da Fazenda Nacional Cid Heráclito de Queiroz, em artigo publicado quarta-feira no Estado. O regime tradicional de cobrança prevê que a execução fiscal decorra de uma ação judicial especial. O contribuinte pode se defender oferecendo depósito em dinheiro, fiança bancária ou bens próprios ou de terceiros à penhora. As normas preveem quando os débitos poderão ser inscritos no Registro da Dívida Ativa, sujeitando os contribuintes à condição de inadimplentes. Mas agora, como demonstrou Cid Heráclito, a Receita tem levado a protesto o débito fiscal, já representado por um título privilegiado, a Certidão da Dívida Ativa. Além disso, inclui os contribuintes nos cadastros de devedores civis e comerciais mantidos por entidades privadas; delega a entidades bancárias privadas a cobrança amigável da dívida ativa; e efetua a "penhora online" de saldos de contas bancárias - e, mais recentemente, a penhora administrativa (por ordem não de juiz, mas de um funcionário) de bens dos devedores. O resultado de tais excessos é o aumento substancial das demandas judiciais contra os atos da Fazenda, com prejuízo para o funcionamento da Justiça. Note-se que o número de execuções fiscais passou de 45.498, em 1990, para cerca de 2 milhões, atualmente. A Fazenda parece querer, a todo custo, repor aos níveis de setembro de 2008 a arrecadação de tributos da União, que devido à recessão diminuiu 6%, em termos reais, de lá para cá.