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As eclusas na ampliação do modal hidroviário

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Por CARLO LOVATELLI E CARLOS FÁVARO são, respectivamente, presidentes da Abiove e da Aprosoja
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O Brasil se encontra em posição privilegiada para atender à crescente demanda mundial por alimentos, notadamente da Ásia: tem terras aráveis, recursos hídricos, tecnologia e empreendedorismo. Porém o alto custo do frete e a ineficiência do sistema de transporte têm sido um importante óbice ao aproveitamento dessa oportunidade de mercado. Para ganhar em competitividade, o escoamento de grandes volumes de produção de grãos do Centro-Oeste do País até os portos de exportação precisaria utilizar a hidrovia de forma intensiva.No Brasil, as hidrovias transportam apenas 4% das cargas nacionais. No caso da cadeia produtiva da soja, a principal cultura agrícola do País, cerca de 70% do transporte é feito por rodovias, o que reduz a renda do produtor rural, porque o frete rodoviário é o mais oneroso em relação aos modais ferroviário e hidroviário. Nos EUA ocorre quase o inverso, já que 61% da soja exportada utiliza as hidrovias, vantagem que confere competitividade internacional à produção daquele país. Na Europa, as hidrovias são utilizadas intensivamente na distribuição de produtos.O Brasil tem 63 mil km de rios. Desses, 43 mil km são navegáveis, mas 27,5 mil ainda não têm sido efetivamente utilizados. A hidrovia é o caminho mais barato para o escoamento da produção agrícola do País. Por isso a cadeia produtiva da soja defende que a construção de novas hidrelétricas venha sempre acompanhada de eclusas, comportas que funcionam como elevadores de água e que fazem as barcaças e os navios subirem e descerem para transpor as barragens erguidas pelo homem nos rios, permitindo a navegação fluvial.A construção da eclusa de Tucuruí é considerada um exemplo de como a falta de um marco regulatório específico, que obrigue a construção concomitante de eclusas para conciliar o uso múltiplo das águas, prejudica o desenvolvimento social e econômico de uma região. Foram necessários 15 anos para pôr a eclusa em funcionamento, período em que a produção da região dependeu apenas do transporte rodoviário, mais caro e sujeito às condições precárias de manutenção das rodovias brasileiras.Não podemos desperdiçar o grande potencial de escoamento de granéis e outros produtos por rios como o Tocantins, o Araguaia, o Teles Pires e o Tapajós. Causam preocupação os projetos de usinas hidrelétricas no Rio Tocantins e no Teles Pires, que, se construídas sem eclusas, inviabilizarão o escoamento da produção de uma extensa área agrícola sob influência da hidrovia. Essa região, assim como outras, ficará dependente do dispendioso transporte rodoviário.Existem projetos no Ministério de Minas e Energia para implantar, até 2018, três hidrelétricas no Rio Tapajós - uma em São Luiz do Tapajós; uma em Jatobá; e outra em Chacorão -, porém sem prever a construção de eclusas. Informações do Movimento Pró-Logística (integrado por entidades mato-grossenses, entre elas a Famato, a Aprosoja, a Acrimat e a Ampa) indicam que será possível gerar energia e permitir a navegação na Hidrovia Teles Pires-Tapajós a um custo de R$ 2 bilhões, economizando para os produtores outros R$ 2 bilhões por ano em fretes.Atualmente, 27 eclusas são consideradas prioritárias em projetos de barragens e em barragens já construídas que exigem recursos de aproximadamente R$ 11,6 bilhões. A construção de eclusas depois de feita a barragem é muito mais cara e complexa. O valor de uma eclusa construída junto com a obra de uma hidrelétrica representa 7% do valor total da usina. Uma eclusa feita isoladamente passa a custar 30% do valor da hidrelétrica. Portanto, o ideal é que eclusas sejam incluídas no planejamento de hidrelétricas e construídas ao mesmo tempo.Felizmente, o assunto tem sido objeto de recentes debates entre as partes interessadas no Congresso Nacional. No dia 21 de maio foi apresentado, na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, um novo substitutivo ao Projeto de Lei n.º 3.009/97, que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de eclusas e de equipamentos e procedimentos de proteção à fauna aquática dos cursos d'água na construção de barragens.O relator do projeto, deputado Homero Pereira (PSD-MT), apresentou parecer na forma de substitutivo em que promove, entre outras, as seguintes alterações: explicita que a norma estabelece a obrigatoriedade de implantação integral ou parcial de eclusas ou outros dispositivos de transposição de desnível de forma concomitante ou posterior à implantação de barragens em cursos d'água; permite que a empresa responsável pela construção e operação da barragem seja ressarcida pela União pelos custos relativos ao projeto executivo e à construção da eclusa; veda a transferência desses custos à tarifa de energia elétrica, no caso de barramento para aproveitamento hidrelétrico; e exige que, no caso de licitação para aproveitamento hidrelétrico do curso d'água, o edital explicite que o projeto e a implantação da barragem deverão ser compatíveis com a construção de eclusas.A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) e a Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja) destacam a necessidade de um planejamento integrado entre os vários órgãos governamentais, como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), do Ministério dos Transportes, a Agências Nacional de Águas (ANA), a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Com isso, ao ser aprovada a legislação que estabelece a obrigatoriedade da inclusão de eclusas na construção de barragens, todos os atores estarão preparados para implementar o que deverá ser um dos principais saltos em matéria de logística no Brasil.Com a viabilização das hidrovias, ganham o setor produtivo e, especialmente, a sociedade, com a geração de empregos, renda, desobstrução das rodovias e redução das emissões associadas ao transporte por caminhões.