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As exigências do ditador sírio

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Por Redação
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O ditador sírio Bashar Assad parece ter se imposto a incumbência de assegurar que a esperança de ao menos interromper-se a carnificina em curso no país há 13 meses esteja fadada a morrer - uma vez e outra e outra ainda. Semanas atrás, o ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan, representando a organização e a Liga Árabe, apresentou a Assad um plano para o estabelecimento de uma trégua entre o regime de Damasco e os movimentos que desafiam o seu poder. Entre outras provisões do texto, um cessar-fogo supervisionado por uma força internacional de paz, a ajuda humanitária às populações vítimas da implacável repressão ordenada por Assad, a soltura dos civis detidos sob suspeita de pertencer ou dar apoio aos "terroristas", como o governo se refere aos insurgentes, abririam caminho para o término do confronto que já deixou perto de 10 mil mortos, mediante uma transição política negociada. O plano, em essência, é uma variante do esquema concebido em fins de 2011 pela Liga Árabe que Assad se recusou a aceitar, apesar das ameaças dos países vizinhos de punir a Síria com sanções econômicas e diplomáticas. No Oriente Médio, o seu único sustentáculo é o Irã de Mahmoud Ahmadinejad. No Conselho de Segurança da ONU, ele conta com o poder de veto da Rússia e da China para não ser alvejado pelas medidas mais adstringentes que poderiam, quem sabe, solapar as bases da ditadura que herdou do pai, o sanguinário Hafez, em meados de 2000. Pela proposta de Annan, hoje expiraria o prazo para Assad retirar os seus blindados das cidades conflagradas. Passadas 48 horas, entraria em vigor a trégua imaginada para tornar possíveis as negociações entre Damasco e as ainda fragmentadas organizações rebeldes em torno de uma agenda de mudanças políticas.A primeira evidência de que, para Assad, o plano não valia o papel em que estava escrito - a exemplo das suas próprias promessas democratizantes - irrompeu no fim de semana com o recrudescimento da repressão em áreas residenciais e outra centena e tanto de mortes. Seguiu-se a exigência oficial de que os insurretos apresentassem "garantias escritas" de sustar as suas ações, sem o que os tanques continuariam nas ruas. Naturalmente, a demanda foi rejeitada. Para não deixar dúvidas da intenção do regime de implodir o plano Annan, ao qual simulou ter aderido, Assad também exigiu à última hora que a Arábia Saudita, o Catar e a Turquia prometessem formalmente que deixariam de financiar os "grupos terroristas". Ontem, em um desdobramento ominoso, o governo de Ancara acusou franco-atiradores de abrir fogo contra alvos nas cercanias do maior campo de refugiados sírios em solo turco, matando duas pessoas e ferindo três outras.A Turquia abriga também os comandantes do Exército Livre da Síria, formado por desertores das forças de Assad que se transformaram no braço armado da insurgência civil contra a sua ditadura. A posição do governo do primeiro-ministro Recep Tayip Erdogan é de manter as fronteiras turcas abertas aos refugiados - que já somam 24 mil - e de cobrar "mais firmeza" da ONU em relação ao regime do qual buscam escapar. Não se sabe que forma poderia assumir esse endurecimento, considerando o bloqueio russo-chinês às tentativas ocidentais de forçar Assad a ceder. De todo modo, correm rumores de que a Turquia estaria tentada a criar, de ambos os lados da fronteira, um santuário para os fugitivos. É o espectro da internacionalização do conflito político sírio. Qualquer coisa nesse sentido abrirá na região, como costumam dizer os árabes, "as portas do inferno".Enquanto Annan se assoberba na tentativa de romper o impasse criado por Assad - o enviado da ONU chega hoje a Istambul, antes de seguir para Teerã -, o mais recente gambito do ditador é interpretado como prova de que ele espera nada menos do que a rendição da insurgência para só então negociar com os seus líderes. Uma trégua entre iguais, argumenta-se, equivaleria a convidar os sírios a reabrir o ciclo de manifestações de massa a ponto de arrombar as comportas do regime.