18 de abril de 2016 | 03h00
A judicialização da política acarreta a paralisia da administração pública, dissemina insegurança jurídica e causa tensões institucionais, afirmou Cármen Lúcia ao votar contrariamente às pretensões dos partidos que defendem a continuidade de Dilma à frente do Executivo. Dias antes, ela havia cobrado mais prudência dos partidos e pedido cautela redobrada às diferentes instâncias judiciais, no julgamento de recursos por eles impetrados com propósitos meramente políticos – e que podem acabar interferindo nas jurisdições do Executivo e do Legislativo.
As advertências de Cármen Lúcia são importantes. O problema da judicialização da política é antigo e vem corroendo de forma crescente a estabilidade do sistema democrático e comprometendo o equilíbrio entre os Poderes. Na medida em que os tribunais são acionados a cada impasse, as regras da política acabam sendo redefinidas e apropriadas por juízes, sob o pretexto de conservar a pureza e a integridade da ordem constitucional. Quanto mais intenso é esse processo, maior é a tendência de expansão do Judiciário sobre a esfera política, com o esvaziamento do Legislativo como locus legítimo para a tomada das grandes decisões que afetam a vida social e econômica do País.
Consolidando a transição da ditadura militar para a democracia, a Constituição deu ao Supremo mecanismos jurídicos importantes para garantir o livre funcionamento das instituições, como é o caso do controle concentrado de constitucionalidade das leis, da revisão judicial das ações executivas e legislativas e da tutela dos direitos fundamentais. O exercício dessas prerrogativas, porém, estava atrelado ao seu uso comedido e prudente por parte de seus ministros.
É por isso que sempre se esperou que esses ministros soubessem discernir quem bate às suas portas pedindo a proteção de seus direitos, para evitar que o princípio do devido processo legal fosse invocado de forma abusiva. Também é por isso que se esperou que o Judiciário não se deixasse levar por artimanhas processuais de partidos e de políticos – artimanhas que tendem a se perder em estéreis discussões técnicas e doutrinárias, gerando imprevisibilidade, em vez de certeza.
Infelizmente, nos últimos anos essa prudência nem sempre prevaleceu no Supremo. Pouco a pouco, sob o pretexto de garantir direitos fundamentais, alguns ministros optaram pelo chamado “neoconstitucionalismo”, colocando princípios à frente de regras na interpretação da Constituição. E, à medida que passaram a fundamentar a concessão de liminares com base em interpretações programáticas, as decisões monocráticas foram se sobrepondo às decisões colegiadas da Corte, resultando no fenômeno da judicialização da política, para cujos riscos a ministra Cármen Lúcia advertiu os operadores do direito.
Ainda é cedo para saber se a decisão do Supremo de julgar de forma colegiada os recursos que pediam a suspensão da votação do processo de impeachment de Dilma Rousseff foi uma exceção ou representa uma saudável inflexão na linha de atuação que a Corte vinha firmando. Com essa decisão, o Supremo preservou sua imagem. Mas, para que a Corte não volte a ser instrumentalizada por partidos e congressistas, seus ministros têm de fazer o que deles se espera. Ou seja, que tenham senso de discernimento, que compreendam os limites de sua atuação, que respeitem as regras de deliberação dos demais Poderes e que saibam decidir como órgão colegiado.
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