02 de janeiro de 2011 | 00h00
A presidente definiu como "tarefa indeclinável e urgente" a reforma política, necessária para aperfeiçoar a democracia e "fortalecer o sentido programático dos partidos". Há muito emperrado no Congresso Nacional, esse projeto recebeu escassa atenção do último governo, mais inclinado a recorrer ao fisiologismo do que a aperfeiçoar as instituições.
O desinteresse pela modernização institucional também permite explicar, em boa parte, a estagnação do regime tributário, cada vez mais nocivo a uma economia moderna e aberta. A presidente apontou os tributos como um dos obstáculos ao desenvolvimento e defendeu sua reforma com base nos critérios da simplicidade e da racionalidade.
De forma discreta, a presidente Dilma Rousseff procurou impor sua marca no tratamento das questões econômicas e sociais. Em dois momentos afirmou seu compromisso com a estabilidade e mencionou explicitamente a importância do controle da inflação. O crescimento associado a fortes programas sociais impõe a manutenção de sólidos fundamentos econômicos. "Isso significa - reitero - manter a estabilidade econômica como valor absoluto." Essa ênfase é sem dúvida uma novidade.
Ao mencionar a importância do Estado como provedor de serviços básicos e de previdência, falou em "custos elevados para toda a sociedade". Mas, em vez de defender a carga tributária, propôs a melhoria dos serviços e a qualificação dos gastos governamentais. Também nesse ponto sua fala se distanciou da retórica do presidente Lula, acostumado a defender a tributação brasileira como perfeitamente razoável e indispensável para custear a ação do governo. A qualidade dos gastos e a eficiência do serviço público têm sido um tema da presidente desde sua eleição. Seu antecessor sempre tratou essas questões como se fossem preocupações das "elites".
Também ao tratar do pré-sal a presidente mostrou uma perspectiva diferente daquela revelada, quase sempre, nos pronunciamentos do presidente Lula. Depois de mencionar a responsabilidade de converter a riqueza do pré-sal em "poupança de longo prazo" e em novo instrumento de modernização econômica e social, a presidente acrescentou: "Recusaremos o gasto apressado, que reserva às futuras gerações apenas as dívidas e a desesperança." Para que essa declaração, intrigante à primeira vista, se não para marcar, mais que uma posição, uma diferença?
A presidente Dilma Rousseff insistiu na promessa de continuidade marcada por avanços. Até aí, nada de surpreendente, até porque essa devia ser a expectativa da maior parte - senão da totalidade - de seus eleitores. Apesar disso, seu discurso teve também o indisfarçável tom de uma nova Carta ao Povo Brasileiro, destinada a afastar inquietações e a afirmar a identidade de um novo governo. Ao qualificar como "inegociável" seu compromisso com as liberdades individuais e, de modo especial, com a liberdade de imprensa e de opinião, a nova presidente parece ter feito muito mais que uma rotineira declaração de princípios.
Esses temas foram tão importantes no debate político recente quanto o risco de calote da dívida pública, nos meses anteriores à eleição do presidente Lula, em 2002. Para não dar o calote, ele precisou renegar teses tradicionais do PT e as próprias opiniões. Para consolidar o respeito às liberdades democráticas e, de modo particular, à liberdade de imprensa, a presidente Dilma Rousseff terá de renegar não só bandeiras de seu partido, mas também as pretensões do governo chefiado por seu antecessor e principal artífice de sua eleição.
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