
05 de dezembro de 2014 | 02h04
A sua obra - ou o que dela já se pode conhecer - também consiste em conceber um amplo leque de ações criminosas a partir de uns poucos elementos, rearranjando-os com uma criatividade que não cessa de chamar a atenção. A mais recente variação a chegar ao conhecimento geral está contida nos depoimentos em regime de delação premiada do executivo Augusto Ribeiro de Mendonça Neto, do Grupo Toyo Setal, um dos mais de 20 empresários e altos dirigentes do autodenominado "clube" de empreiteiras detentoras de contratos com a Petrobrás, apanhados pela Operação Lava Jato.
Na quarta-feira, dia seguinte à decisão do ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), de conceder habeas corpus ao diretor de Serviços da estatal (de 2003 a 2012) Renato Duque, no primeiro ato do gênero desde a deflagração da Lava Jato, em março, o juiz federal Sergio Moro tornou público que Mendonça Neto acusara Duque de exigir que uma parte da propina cobrada dos interessados em fazer negócios com a petroleira fosse encaminhada ao Partido dos Trabalhadores - como doação legal. Os demais valores, instruiu o então funcionário apadrinhado pelo partido, deveriam ser-lhe entregues em dinheiro ou depositados em determinadas contas no exterior.
É a primeira vez desde a eclosão do escândalo que o País fica sabendo pela boca de um dos envolvidos que dinheiro sujo serviu para irrigar de forma limpa as finanças de uma agremiação política - uma variação que não faria feio perto de Beethoven. Segundo o delator, dos pelo menos R$ 152 milhões arrecadados por Duque, cerca de R$ 4 milhões foram engrossar, entre 2008 e 2011, os recursos contabilizados do Partido dos Trabalhadores. Para consumar a transferência, Mendonça Neto consultou a secretaria de Finanças da legenda, que o orientou a depositar as doações na sua conta bancária.
À primeira vista parece difícil de distinguir as coisas: de um lado, uma empreiteira é instada a doar a uma sigla, por cima dos panos, montantes que correspondem a uma parcela do pedágio sem o qual não fechará com a Petrobrás os contratos (decerto superfaturados) que ambiciona; de outro lado, uma empreiteira doa a partidos e candidatos, também legalmente, valores oriundos de um patrimônio financeiro engordado - em boa medida, como a cada dia fica mais claro - de contratos inflados, conseguidos mediante suborno. A única diferença é de tempo: no primeiro caso, a doação se segue ao negócio obtido; no segundo, é uma aplicação visando a negócios futuros.
Revelando a sua peculiar visão da realidade, as construtoras investigadas pela lambança na Petrobrás querem que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aceite um "acordão" que diminua as penas a que estão expostas, sem que os seus controladores e executivos admitam previamente as suas culpas nas delações premiadas a que aceitem se submeter. O acinte justifica a ironia de Janot, para quem as empresas no pelourinho estão tentando formar um "cartel de leniência". Nada deve abalar o acordo tácito do toma lá dá cá entre pagadores e recebedores que se renova a cada ciclo eleitoral - e está se falando de doações legais.
O esquema só será abalado quando pessoas jurídicas não puderem financiar campanhas - o que hoje depende de um único membro do STF, o ministro Gilmar Mendes. Em abril, quando a Corte julgava uma solicitação da OAB nesse sentido, apoiada por firme maioria - 4 votos proferidos e 2 outros prometidos -, Mendes pediu vista dos autos, alegando tratar-se de assunto "complexo", embora se inclinasse pelo regime de doações como está. Passados oito meses, Mendes ainda retém o processo.
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