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Opinião|Às vésperas de eleições

Atualização:

Em 1985, por ocasião da eleição para prefeito de São Paulo - Jânio Quadros x Fernando Henrique Cardoso -, o departamento de pesquisas da Rádio Record incumbiu-se de fazer vários trabalhos com o intuito de acompanhar a tendência do eleitorado paulistano. Contrariando todos os institutos - então ainda não havia o Datafolha -, as pesquisas da Rádio Record apontavam a vitória do ex-presidente Jânio Quadros. Ouvia-se muito de pessoas influentes de alguns partidos que aquelas pesquisas eram encomendadas pela direita reacionária. Até que, um dia, compareceu à rádio o sr. Almir Pazzianotto. Depois de se reunir por mais de três horas com o diretor do departamento de pesquisas, Júlio Darvas, em minha sala, Pazzianotto telefonou para o governador Franco Montoro e disse que a pesquisa da emissora era estruturada cientificamente. No dia da eleição, às 17 horas, quando as urnas eram fechadas, o candidato Fernando Henrique Cardoso compareceu aos estúdios da TV Record e foi proclamado pelos representantes dos institutos de pesquisas presentes, incluído o Ibope, como prefeito eleito de São Paulo. O único participante desse programa jornalístico a discordar foi Júlio Darvas, da Rádio Record, que garantiu que Jânio Quadros, do PTB, era o novo prefeito de São Paulo. Algumas horas depois, já na segunda-feira, era noticiada a vitória de Jânio por pouco mais de 141 mil votos. Cinco anos depois ocorreu outro fato importante quanto às disputas políticas. Dias antes da eleição para presidente, o candidato Fernando Collor de Mello, do PRN, concedeu entrevista ao jornalista Ferreira Netto, da TV Record, sem a presença de seu adversário, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, contrariando a legislação eleitoral. Naquela entrevista, Collor teceu duras críticas a Lula e garantiu que, diferentemente de possíveis planos de seu opositor, a caderneta de poupança seria respeitada. No dia seguinte, o então diretor Paulo Machado de Carvalho Neto, o Paulito, e eu conversamos sobre o episódio. Argumentei que, por iniciativa própria, a TV Record deveria dar a Lula o direito de resposta. E aí Paulito me contou que o comando jornalístico da TV já estava sob a orientação dos novos donos, depois de estes terem pago importância vultosa como sinal do negócio. Alguns minutos depois recebi telefonema de Plínio de Arruda Sampaio, meu amigo e parente, político honrado, então no PT, indignado com a entrevista de Collor. Plínio pediu-me que intercedesse junto à família Machado de Carvalho, que, para todos os efeitos, era também concessionária da Rádio e da TV Record, no sentido de dar, naquela noite, o mesmo espaço para Lula. Não era possível outro dia: a eleição seria realizada em seguida. Caso não fosse por bem, o PT entraria com ação na Justiça, alegando enorme prejuízo com o programa, que, excepcionalmente, havia sido transmitido para quase todo o Brasil, e não somente para São Paulo. Voltei a conversar com Paulito. E nós dois procuramos Paulinho de Carvalho, diretor da TV, que ficou muito sensibilizado com a situação. E mesmo praticamente fora do comando artístico da TV Record, Paulinho decidiu abrir espaço para Lula. Vale lembrar que, horas depois de Paulinho de Carvalho ter dado o consentimento, seu filho Paulito recebeu telefonema do ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, na ocasião presidente do Tribunal Superior Eleitoral, dizendo que recebera telefonema do Plínio. Para Rezek, o PT estava certo ao reclamar. O ministro sugeriu que Paulito abrisse espaço para Lula, evitando assim qualquer recurso do partido à Justiça, que seria desgastante para todos. Tudo acertado. Mas depois, uma surpresa: Plínio ligou-me informando que havia sido indicado pelo próprio Lula para representá-lo na entrevista - seria impossível o candidato petista ir ao programa, em São Paulo, pois no mesmo horário estaria encerrando a campanha com um comício no Rio de Janeiro. Paulito e eu recebemos o Plínio na Record. Felizmente, a entrevista transcorreu bem. Passados 25 anos, o Brasil teve mais cinco eleições presidenciais. Todas as disputas foram acirradas, duras, contundentes, mas quase sempre respeitosas, em alto nível democrático. Porém em 2014, com tristeza, estamos assistindo a uma campanha que não engrandece a democracia. Ao contrário. Nos últimos 45 dias, os ataques da presidente Dilma Rousseff à candidata Marina Silva têm sido duríssimos e ocupam espaço enorme do rádio e da televisão. O espaço de Marina é infinitamente menor, quase que insuficiente para a candidata dizer "bom dia, até amanhã". Essa vantagem absolutamente desproporcional da candidata Dilma compromete o debate democrático entre as duas candidatas que disputam palmo a palmo a preferência do povo brasileiro. Mesmo que todas as críticas e acusações fossem verdadeiras, nenhuma opinião, por mais verdadeira que seja, nos pode ser imposta. Os danos sobre Marina são enormes. E, provavelmente, o segundo turno não conseguirá reparar o desgaste. A frequência intensa, verdadeiro tsunami, da mensagem da candidata Dilma no rádio e na televisão já fez a cabeça de muita gente, principalmente dos mais pobres. A propósito, o mundo dá voltas. A situação é ainda pior, levando em conta que, se em 1989 Lula foi vítima de insinuações de Collor na TV Record de que o petista, caso eleito, confiscaria as cadernetas de poupança, a central de boatos agora espalha que "Marina vai acabar com o Bolsa Família". Tenho defendido uma ampla e profunda reforma na radiodifusão brasileira. Hoje se outorga concessão a quem já tem demais. É preciso democratizar a informação. Entendo que a democratização da informação passa por uma mudança no critério da distribuição do horário político para propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Que venha, com urgência, a reforma política. *Francisco Paes de Barros é radialista

Opinião por Francisco Paes de Barros