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Assad se safa de sanções

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Por Redação
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Pela primeira vez desde 2008, quando se opuseram à adoção de sanções contra a ditadura de Robert Mugabe no Zimbábue, a Rússia e a China usaram, na terça-feira, do seu poder de veto no Conselho de Segurança (CS) da ONU para tornar sem efeito uma resolução contra a ditadura de Bashar Assad na Síria. De iniciativa europeia, com apoio dos Estados Unidos, o texto foi aprovado por 9 votos. Quatro países - Brasil, Índia, África do Sul e Líbano - se abstiveram. Desde meados de março, Damasco tem reprimido com crescente ferocidade as robustas manifestações de rua pela democratização do país - a versão local da Primavera Árabe. Estima-se que cerca de 2.700 sírios - civis, na esmagadora maioria - já foram mortos nos confrontos com as forças de segurança ou sob a artilharia pesada do Exército, em cidades favoráveis à insurgência. Fracassaram os esforços da comunidade internacional para deter a matança e obter de Assad o cumprimento das promessas de liberalização do regime.O máximo que o CS conseguiu, depois de quatro meses de negociações, foi aprovar em agosto uma "declaração presidencial" condenando a violência do governo sírio contra a sua própria população. Os motivos da desunião parecem claros. Antes de mais nada, o peso estratégico da Síria no instável Oriente Médio provoca reações distintas entre os governos estrangeiros. Até Israel, tecnicamente em estado de guerra com o vizinho país, prefere um inimigo conhecido, porém refratário a aventuras, do que a incerteza que se seguiria à queda de Assad. Além disso, a Síria é a primeira aliada de Moscou na região, desde os tempos da União Soviética. A Rússia é a principal fornecedora de armamentos para Damasco. O porto sírio de Tartus é a única instalação naval russa fora dos países da antiga URSS. E, assim como a China, a Rússia tem motivos para se aferrar à doutrina da "não intervenção em assuntos internos de outras nações", que data da guerra fria. Já os países ocidentais, que de início se limitavam a condenações retóricas da fúria repressiva de Assad, endureceram as suas posições.O motivo da mudança - e, paradoxalmente, a causa da sua inocuidade - foi a Líbia. Quase coincidindo com o começo dos protestos estudantis na Síria, em março, França e Grã-Bretanha conseguiram a aprovação no CS de uma resolução que autorizava a Otan a fazer o que fosse preciso, salvo uma invasão, para proteger a população civil líbia do banho de sangue com que o psicoditador Muamar Kadafi ameaçava o levante contra a sua brutal ditadura de 41 anos. Sintomaticamente, a Rússia e a China apenas se abstiveram, do mesmo modo que o Brasil e a Alemanha.Como logo se viu, as incursões aéreas da Otan, extrapolando do mandato recebido, não visavam a conter Kadafi, mas a derrubá-lo. Foram o fator decisivo para a mudança de regime em Trípoli. Desde que os EUA invadiram o Iraque em 2003, essa expressão se tornou anátema em Moscou e Pequim, por razões estratégicas, e em Nova Délhi, Pretória e Brasília - as capitais dos demais Brics - por questão de princípios de política internacional.Agora, no caso da Síria, para prevenir o veto russo-chinês, os diplomatas ocidentais, entre eles os brasileiros, aguaram ao máximo os termos da resolução afinal levada a votos na terça-feira. Saíram do texto todas as passagens que pudessem sugerir uma eventual ação militar futura contra Assad - o que, por sinal, nunca esteve na pauta europeia ou americana. Até a palavra "sanções" foi suprimida. Ficou uma exortação a Damasco para pôr fim à violência, respeitar a população e admitir a entrada de jornalistas e da missão da ONU para investigar violações de direitos humanos.Passados 30 dias, dizia o projeto de resolução, o CS poderia impor à Síria sanções "não militares". Mas, depois do precedente líbio, não se podia esperar que russos e chineses se abstivessem novamente. É provável que, com aquele texto, o Ocidente apenas quisesse exibir as suas credenciais democráticas. Como disse a embaixadora americana no colegiado, Susan Rice, com o veto "o povo sírio pode ver quem o apoia e quem não".