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Assim a guerra fiscal continua

Durante décadas, governos estaduais ofereceram incentivos e até isenções para atrair investimentos

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Por Redação
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Extinguir a guerra fiscal, uma das maiores aberrações do sistema tributário brasileiro, tem sido um dos objetivos citados em todas as propostas de reforma discutidas no último quarto de século. Durante décadas, governos estaduais ofereceram incentivos e até isenções para atrair investimentos, promover a industrialização e dinamizar as economias locais. Senadores deverão votar na próxima semana um projeto destinado, formalmente, a eliminar dentro de alguns anos esse estado de insegurança geral. O procedimento envolverá, como passo inicial, a convalidação dos incentivos ilegais concedidos pelos poderes estaduais. Regularizada a situação, começará a contagem do tempo para o armistício fiscal. Mas o projeto poderá produzir um resultado oposto ao prometido, abrindo espaço, de fato, para a prorrogação dos incentivos, então legalizados, e para a perpetuação das condições de guerra. No quadro previsível, as possibilidades formais de controle das políticas estaduais serão muito menores que as de hoje.

A concessão unilateral de estímulos com base no principal tributo recolhido pelos Estados é claramente ilegal desde janeiro de 1975, quando foi promulgada a Lei Complementar n.º 24. A partir desse momento, a concessão de incentivos dependeria de aprovação unânime pelos membros do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), composto de representantes de todos os Estados e do Distrito Federal, mas esse princípio foi violado muitas vezes.

Governos estaduais alegaram a preocupação com o desenvolvimento econômico e social para justificar suas políticas. Houve protestos e até recursos à Justiça, mas com pouco ou nenhum efeito. Os processos foram muito demorados. Além disso, governos poderiam, se forçados a cancelar um incentivo, substituí-lo por algo pouco diferente e igualmente ilegal. A guerra facilitou a instalação de polos industriais importantes em alguns Estados e foi mais eficiente, sob alguns aspectos, que as políticas nacionais de desenvolvimento regional. Mas, quando a guerra se generalizou, a concessão de benefícios praticamente se converteu em leilão de ofertas e os custos cresceram para todos os Estados.

Na terça-feira passada foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado o relatório do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) sobre o projeto de regularização dos benefícios fiscais baseados no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Nascido no Senado em 2014, o Projeto de Lei Complementar n.º 130 havia sido aprovado com mudanças na Câmara dos Deputados. Por isso voltou à origem para reexame. O relator propôs alterações de alguns pontos, mas conservou o essencial do texto recebido da outra Casa.

Dois detalhes, entre outros, evidenciam os perigos do projeto. A ideia de uma redução gradual dos incentivos, até a extinção completa, foi abandonada. Os benefícios fiscais serão integralmente mantidos até o fim do prazo de 15 anos. Não haverá, portanto, estímulo para a adaptação progressiva aos novos encargos tributários. Antes de esgotado o tempo haverá, muito provavelmente, fortes pressões por uma renovação dos incentivos. Os governos estaduais mais interessados nesse lance disporão, com certeza, de apoio considerável no Congresso.

Outro ponto importante é a eliminação da unanimidade nas decisões do Confaz a respeito de incentivos. Ficará mais fácil a articulação de governos interessados em distorcer o sistema tributário.

Mas há um defeito de origem no projeto. Propostas parciais de mudança tributária dificilmente produzirão efeitos seguros e duradouros. Já houve grande número de remendos, com resultados sempre ruins tanto para as finanças públicas como para a economia. O caminho mais aconselhável, embora mais trabalhoso, é tentar uma reforma ampla, voltada para a criação de um sistema adequado a uma economia diversificada, aberta, empenhada na integração global e forçada, portanto, a buscar produtividade e poder de competição. Soluções parciais são compromissos com o passado. O Brasil precisa entrar no século 21.