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Assim não pode continuar

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Por Redação
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São altamente preocupantes os resultados de pesquisa do Datafolha sobre como os paulistanos encaram as forças – Polícias Militar (PM) e Civil – encarregadas de garantir a sua segurança e protegê-los dos criminosos. Eles mostram que a confiança que a população da capital deposita nas polícias, que já não era grande, ficou ainda menor. Cada vez mais o sentimento dos paulistanos em relação às forças de segurança é o contrário do que deveria ser, pois o que prevalece é o medo. Uma situação que se agravou nos últimos meses, certamente como decorrência de episódios nos quais a conduta de maus policiais – que se colocam acima da lei para fazer acertos de contas e para condenar e executar suspeitos – chocou a opinião pública como poucas vezes antes.

A maioria da população – 60% – mais teme a PM do que confia nela. Na pesquisa anterior, realizada em junho de 2013, esse índice era de 50%. Mais do que isso, o que toca o sinal de alarma é a constatação de que, ao se considerar a série histórica, de 1995 até hoje, o índice de medo da PM nunca foi inferior a 50%. Esse período de 20 anos permite concluir que se trata de um sentimento arraigado entre os paulistanos, não uma simples reação emocional de revolta diante de episódios isolados.

A situação da Polícia Civil é quase igual. A porcentagem dos paulistanos que pensam dela o mesmo que da PM é também muito alta, de 55%. E, nos mesmos 20 anos, esse índice nunca foi inferior a 48%.

Outros dados importantes completam esse quadro inquietante. O primeiro é que os paulistanos que temem as duas polícias estão presentes em todas as regiões – pobres e ricas, periféricas e centrais – e em todas as faixas etárias, de renda e de escolarização. O segundo dado que merece destaque se refere à posição dos paulistanos diante dos bandidos e dos policiais. Um terço deles sente medo, em igual intensidade, de uns e outros. No total, 49% temem mais os bandidos e 21%, os policiais.

Episódios lastimáveis – é o mínimo que se pode dizer deles – ocorridos nos últimos meses não só explicam o agravamento dessa situação que vem de longe, como demonstram como é difícil livrar a polícia de suas ovelhas negras, apesar dos esforços das autoridades da área de segurança pública, da ação do Ministério Público Estadual (MPE) e da Justiça. Depois das chacinas de Osasco e Barueri – esta em especial, que deixou 19 mortos – e Carapicuíba, na qual morreram quatro jovens, e da fria execução de dois assaltantes já rendidos, no bairro do Butantã, que as próprias autoridades admitem ser obra de maus policiais, medidas importantes foram tomadas para identificar e punir os culpados.

Mais de duas dezenas de PMs tiveram suas prisões decretadas pela Justiça comum e pela Justiça militar. Tanto o secretário de Segurança, Alexandre de Moraes, como o corregedor da PM, coronel Levi Félix, não demoraram a apontar os claros e veementes indícios de participação de policiais nesses casos. Félix falou mesmo de “um comportamento abominável”. O tempo – e esperemos que ele não seja longo – dirá se os culpados receberão a punição que deve servir de exemplo e advertência.

A situação de perigosa descrença na polícia chegou a tal ponto, porém, que isso está muito longe de ser suficiente. É preciso com urgência identificar os maus policiais e traçar uma política capaz de ao mesmo tempo puni-los e afastá-los e, por meio de seleção e trabalho de corregedoria mais rigoroso, evitar tanto quanto possível que outros tomem seu lugar. Não há polícia no mundo que não tenha suas ovelhas negras. O que distingue as melhores e mais eficientes é a capacidade de se livrar delas.

Salta aos olhos que a polícia paulista – e é fácil de imaginar que com mais razão ainda a de outros Estados – não pode continuar assim. E ela deve ser a primeira interessada na mudança. A situação de qualquer polícia que provoca tal sentimento de medo na população é insustentável a médio – e já estamos entrando nele – e longo prazos. Sem a confiança da população – e, mais do que isso, em conflito com ela –, nenhuma polícia consegue ser eficiente.