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Atentado à privacidade

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Por Redação
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Hoje em dia, o cidadão que deixa seus dados pessoais em cadastros indispensáveis para fazer uma compra, contratar um financiamento ou realizar um negócio qualquer está sujeito a receber depois insistentes ligações telefônicas de empresas que lhe propõem novos negócios ou "ofertas especiais", nos quais quase sempre não está interessado. Outro inferno são as dezenas de mensagens eletrônicas não solicitadas, os spams, que lotam a tela dos computadores. Nesses casos, os cidadãos e as empresas têm meios para se defender, providenciando o bloqueio de números de telefones ou instalando dispositivos antispam nos computadores. Os cidadãos e as empresas estão impossibilitados, porém - e por isso este é o caso mais grave -, de defender-se da negociação impune pela internet e nas ruas de São Paulo de informações como endereços, telefones residenciais e celulares, RG, CPF e placas de carro com o nome dos proprietários. Esta é uma afronta grave ao direito à privacidade. Como apurou reportagem do Estado (20/8), há pelo menos cinco empresas que anunciam a venda, por preços módicos, de informações confidenciais no Google, extraídas de bancos de dados de órgãos oficiais e de empresas privadas. Existe também, no centro da cidade, um comércio escancarado de cadastros sigilosos, que podem ser consultados em lan houses, com dados da Receita Federal, do INSS, de bancos e empresas telefônicas.É difícil saber como se chegou a essa situação. Não é crível que órgãos oficiais, dos três níveis de governo, e empresas que prestam serviços públicos revelem tais informações, a não ser em casos em que são solicitados pelos interessados, que devem identificar-se, ou por seus procuradores. O mais provável é que o tráfico de informações seja feito com a conivência de funcionários que detêm senhas de acesso aos bancos de dados ou resulte da ação de hackers.Esse caso exige uma investigação urgente. A comercialização de informações pode dar origem a vários tipos de crimes, como chantagem, falsificação de documentos, emissão de notas frias, contratação de empréstimos ou compra de bens em nome de outras pessoas, além de roubos e sequestros. Não é possível que as autoridades policiais não tenham conhecimento do comércio ilícito de informações e suas possíveis consequências.Infelizmente, o tema não é tratado como prioritário pelo governo, como diz o professor Marcel Leonardi, da Fundação Getúlio Vargas, que preconiza uma mobilização de entidades da sociedade civil para exigir providências concretas. Informa-se que o Ministério da Justiça vai enviar ao Congresso Nacional, mas só em 2011, um projeto de lei que regulamenta a obtenção e o armazenamento de dados e cria uma agência para gerenciar o uso e a divulgação de informações consideradas sensíveis. De acordo com a secretária de Direito Econômico do Ministério da Justiça, Mariana Tavares de Araújo, pretende-se criar "um arcabouço legal que, de um lado, proteja os dados pessoais e, de outro, dê segurança jurídica para que as empresas possam usar esses dados sem infringir os direitos de privacidade do indivíduo". Aquela agência pode ser até dispensável, se a legislação tiver força suficiente para obrigar as autoridades policiais a agir com rigor nessa área. Especialistas recomendam que se adotem no País os padrões europeus, mais rigorosos que os dos EUA, onde se procura conciliar as leis com a autorregulamentação pelas empresas. Na União Europeia, os órgãos ou empresas detentoras de dados sobre o seu público ou seus clientes podem utilizá-los de forma legítima para promover suas atividades ou seus negócios, mas devem obedecer a regras bem definidas e, em certos casos, têm de obter o consentimento explícito das pessoas envolvidas. Em se tratando de dados que podem servir para fins escusos, são previstas duras penalidades para quem os divulgue clandestinamente. No Brasil, por enquanto, o máximo que se pode fazer, depois da comprovação de tráfico de informações confidenciais, é denunciar a fraude aos órgãos de segurança e esperar que a máquina burocrática se mova.