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Avanços e retrocessos

A cúpula dos EUA com a Coreia do Norte prevista para junho foi cancelada

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Por Redação
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Não haveria de ser fácil a comunicação entre os líderes de dois países cujas hostilidades já duram mais de 65 anos. Não obstante os significativos avanços havidos nos últimos dois meses para a distensão nas relações entre Estados Unidos e Coreia do Norte, a cúpula entre os presidentes Donald Trump e Kim Jong-un, marcada para o dia 12 de junho em Cingapura, foi cancelada pelo americano.

Em carta enviada ao líder norte-coreano na quinta-feira, Donald Trump cancelou sua participação na cúpula devido à “tremenda raiva e hostilidade” manifestada por uma alta autoridade do regime de Pyongyang. A vice-chanceler norte-coreana Choe Son-hui tratou o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, como “idiota político”, “estúpido” e “ignorante” após uma entrevista concedida por ele à rede de TV americana Fox News.

Na entrevista, Pence defendeu a proposta do conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, para que os Estados Unidos adotem o “modelo líbio” nas negociações para o desarmamento nuclear da Coreia do Norte, ou seja, Pyongyang deve abrir mão de todo o seu arsenal de uma só vez antes de receber contrapartidas como o levantamento de pesadas sanções econômicas impostas ao país.

Mike Pence foi além e estabeleceu uma relação direta entre Kim Jong-un e Muammar Kadafi, ditador líbio que foi deposto e assassinado em rebelião popular que recebeu o apoio dos Estados Unidos. “Isso só vai terminar como a Líbia se Kim Jong-un não fizer um acordo”, disse.

Além de Choe Son-hui, Kim Kye-gwan, outro vice-chanceler da Coreia do Norte – são sete –, reagiu às declarações do vice-presidente americano. “O mundo sabe muito bem que nosso país não é nem a Líbia nem o Iraque, que tiveram destinos miseráveis”, afirmou Kye-gwan em comunicado divulgado pela KCNA, a agência de informação oficial do regime.

Mike Pence deveria saber que suas declarações repercutiriam globalmente, sobretudo em se tratando de assunto tão sensível como a paz na Península Coreana. O vice-presidente americano deveria saber que não se convida alguém para a mesa de negociações – a proposta de uma cúpula entre os dois países partiu de seu chefe – fazendo-lhe ameaças veladas.

Por sua vez, em nada ajuda o entendimento o tom escolhido pelas autoridades norte-coreanas, sobretudo as duras palavras de Choe Son-hui, que claramente podem ser vistas como ofensivas não apenas a seu destinatário, Mike Pence, mas aos Estados Unidos.

Os ânimos acirrados nos dois lados, no entanto, agora dão sinais de arrefecimento. Em resposta à carta de Donald Trump a Kim Jong-un, em que o americano comunica o cancelamento de sua presença na cúpula de Cingapura, o regime norte-coreano respondeu expressando “disposição em sentar frente a frente com os Estados Unidos e resolver assuntos a qualquer momento e de qualquer forma”, abrindo a possibilidade de realização da histórica reunião entre os chefes de Estado dos dois países, se não na data previamente agendada, um pouco mais adiante.

Por meio de sua conta no Twitter, Donald Trump reagiu bem ao comunicado da Coreia do Norte, chamado por ele de “caloroso” e “produtivo”. “Em breve veremos onde ele (o comunicado) nos levará. Espero que a um caminho de paz e prosperidade duradouras”, disse o presidente americano.

Pyongyang já dera sinais de boa vontade ao iniciar o desmantelamento de seu sítio de testes nucleares. 

São sinais alentadores, ainda que devam ser recebidos com a devida cautela a fim de não alimentar falsas esperanças. É extremamente desejável uma paz duradoura na Península Coreana, não apenas para os três países diretamente envolvidos no conflito – Estados Unidos, Coreia do Sul e Coreia do Norte –, mas também para China, Rússia e Japão.

Em meio aos avanços e retrocessos desta complexa concertação de interesses, que a boa vontade prevaleça e o mundo não seja levado ao recrudescimento de um conflito que não trará benefícios a ninguém.