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Barbosa faltou, a crise, não

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Por Redação
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O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, abriu uma lacuna cheia de significado ao faltar à reunião de primavera do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial, em Washington. No último meio século os ministros brasileiros compareceram ao Fundo para proclamar as maravilhas de um milagre econômico, pedir dinheiro, desculpar-se pelo descumprimento de acordos e também falar de uma economia regenerada e pronta para papéis mais importantes. Nos últimos anos, representantes do Brasil dedicaram-se também a reclamar da situação mundial para se inocentar de erros indisfarçáveis que, somados a desmandos, levaram o País a uma crise econômica e política de proporções incomuns. A ausência do ministro é um desdobramento dessa história. Barbosa ficou no País para ajudar uma presidente acusada de crime de responsabilidade e empenhada em deter um processo de impedimento. Nenhum alto funcionário do FMI e do Banco Mundial desconhece a gravidade e a natureza da crise brasileira. Quando o noticiário mais quente era sobre a Operação Lava Jato, relatórios sobre a economia global mencionaram mais de uma vez “investigações sobre a Petrobrás”, ao citar os fatores de incerteza política no Brasil. O professor Olivier Blanchard, então economista-chefe do FMI, chegou a usar a palavra corrupção ao descrever o quadro brasileiro. Nesta semana falar sobre o País ficou mais complicado. Não haveria como deixar o Brasil na obscuridade, na apresentação dos cenários preparados pelo FMI. Afinal, uma das maiores economias emergentes poderá encolher mais 3,8% neste ano, repetindo a taxa negativa de 2015. O efeito do desastre brasileiro, na América Latina, vai muito além do rebaixamento da média geral. Problemas de grandes países emergentes afetam o mercado internacional. Brasil e Rússia, em recessão, apareceram em destaque nos principais documentos divulgados nos últimos dias. Não haveria maiores dificuldades no exame dos dois casos, se se tratasse apenas de mencionar números, comentar políticas econômicas e fazer recomendações. Mas o caso brasileiro envolve mais que desastres e equívocos econômicos. Quando tiveram de explicar as causas do desarranjo, representantes do Fundo citaram “fatores não econômicos” ou “incertezas políticas”. Pressionados, em entrevistas, para avançar nesses assuntos, chegaram a detalhar consequências das incertezas, mencionando a paralisia das decisões de negócios. Evitaram discutir questões ligadas ao impasse político ou citar abertamente o impeachment. Mas deixaram clara a recomendação de mudar a política econômica. Recusando entrar no debate interno, a diretora-gerente do Fundo, Chistine Lagarde, indicou sua expectativa. Qualquer saída da crise deverá permitir a eliminação da incerteza e o estabelecimento, “em terreno estável”, de um ambiente propício aos negócios e ao crescimento. Os papéis divulgados durante a semana deixaram claro o caminho. O governo deverá consertar as contas públicas e iniciar reformas para tornar a economia mais produtiva e mais competitiva. Em entrevista ao Estado, o diretor do Departamento de Mercados Monetário e de Capitais, José Viñals, acentuou a necessidade de manter o combate a inflação, sem afrouxar prematuramente a política do Banco Central. Mas será preciso, acrescentou, complementar o esforço com a ação na área fiscal. Viñals coordena a elaboração do Relatório de Estabilidade Financeira Global. A recessão prolongada, comentou, impõe um teste de resistência ao sistema bancário – que, no caso brasileiro, é sólido, segundo ele. Mas a solução do impasse político é condição para a melhora do cenário econômico. As dúvidas sobre quem governará o Brasil nos próximos tempos reforçam a peculiaridade da posição de Nelson Barbosa. Seus antecessores compareceram ao FMI, quase sempre, como representantes de um governo com situação bem definida. Ele representaria um governo ainda formalmente instalado, com futuro incerto, mas, sobretudo, incapaz, há muito tempo, de exercer suas funções.