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Belo Monte, usina de conflitos

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Por Redação
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A construção da Usina de Belo Monte, um dos projetos mais controvertidos da agenda oficial, parece ter virado uma questão de honra - ou de teimosia - para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A obra será realizada, prometeu, com ou sem consórcios privados no leilão, marcado para dia 20. O governo, informou-se em Brasília, está disposto a chamar grandes fundos de pensão de estatais para a formação de novos grupos. Poderão ser convocados o Petros, da Petrobrás; o Previ, do Banco do Brasil; e o Funcef, da Caixa. Essa é a resposta à decisão das empreiteiras Odebrecht e Camargo Corrêa, anunciada na quarta-feira, de abandonar a disputa. Os participantes desses fundos deveriam ficar alertas. Os demais cidadãos, também, porque falta esclarecer quem pagará a conta, se as condições econômicas e financeiras do empreendimento forem piores do que o governo calcula. Basta pensar num atraso das obras, muito comum, ou em qualquer outra alteração de custos. A decisão do consórcio foi interpretada, no governo, como nova manobra para forçar uma elevação do preço estimado para a obra e da tarifa prevista para a energia gerada. Odebrecht e Camargo Corrêa já haviam pressionado por uma revisão dos valores. O governo cedeu e o preço máximo para a construção passou de R$ 16 bilhões para R$ 19 bilhões. O consórcio Odebrecht-Camargo Corrêa também conseguiu aumentar a tarifa de R$ 68 para R$ 83 por MWh. Ainda assim seus dirigentes consideraram insatisfatórias as condições do projeto.Ninguém vai impor preços ao governo, respondeu o presidente Lula, prometendo seguir um caminho "do meio" para chegar a uma remuneração adequada às empresas e a uma tarifa razoável para o consumidor. Segundo ele, o governo tem cacife para garantir a execução da obra. Mas o tal cacife são os fundos de pensão das estatais. O recurso ao dinheiro dessas entidades é um jogo muito arriscado. Segundo fonte do governo, a manobra é semelhante à adotada no governo Fernando Henrique, em 1998, para forçar a concorrência na privatização do setor de telecomunicações. Mas a comparação é imprópria. As condições do empreendimento eram muito mais claras e as possibilidades de lucro, mais concretas. A construção de uma usina com o tamanho projetado para Belo Monte, no meio da Amazônia, é uma aventura de alto risco. O desafio técnico é enorme, as condições naturais são adversas e a projeção de custos está sujeita a erros importantes. Além do mais, o presidente Lula insiste em garantir uma oferta de energia a preços módicos para o consumidor. Envolver os fundos de pensão numa aventura dessas proporções parece bem pouco recomendável. O objetivo principal desses fundos é proporcionar a seus participantes segurança financeira na época da aposentadoria. A participação em um projeto de alto risco contraria aquele objetivo. Mas o risco não é relevante apenas para os participantes dos fundos. Se algo der errado, o governo tentará provavelmente atenuar as consequências para essas pessoas. De onde sairá o dinheiro? Se sair das empresas, afetará seus acionistas, incluído o Tesouro. Se sair diretamente do Tesouro, a conta será paga pelos contribuintes. O empenho do presidente Lula em realizar o leilão e pôr em marcha o empreendimento só parece explicável, nestas circunstâncias, por uma teimosia associada ao interesse eleitoral. Por suas proporções, o projeto de Belo Monte é o item mais notável da carteira de investimentos alardeada pelo governo e por sua candidata à Presidência. Mas é também um projeto controvertido, por suas consequências ambientais, pelo impacto sobre grupos indígenas e por sua eficiência econômico-financeira. A energia de Belo Monte, argumentam os críticos, terá um custo muito alto. Faria mais sentido, afirmam, recorrer a outras fontes bem mais baratas em todos os sentidos.Um retorno eventual do consórcio Odebrecht-Camargo Corrêa garantiria o êxito do leilão e tornaria desnecessária a convocação dos fundos. Mas um leilão bem-sucedido não removeria as sérias dúvidas que existem sobre o projeto.