Imagem ex-librisOpinião do Estadão

''Bico'' oficial para os Pms

Exclusivo para assinantes
Por Redação
2 min de leitura

O prefeito Gilberto Kassab enviou à Câmara Municipal um projeto de lei que cria gratificações para agentes da Polícia Militar (PM) que trabalhem em batalhões lotados na cidade de São Paulo. A gratificação de até 100% do salário-referência de cerca de R$ 1.800,00 será aplicada às patentes de coronel, tenente-coronel, major, capitão, 1º e 2º tenentes. Subtenentes, sargentos, cabos e soldados poderão receber gratificações de até 70% do salário-referência. A ideia do prefeito Kassab, certamente carregada de boas intenções, é tanto estimular os policiais militares do Estado a prestar serviços de segurança ao Município, em suas horas de folga, como eliminar a prática dos "bicos", que é o que eles ganham - por sinal ilegalmente - prestando serviço a particulares, em estabelecimentos como lojas, supermercados, padarias, restaurantes, bares, condomínios, etc. Diga-se, antes de mais nada, que isso significaria substituir o "bico" privado pelo "bico" legalizado, mantendo todos os sérios inconvenientes - para não dizer riscos - de um PM trabalhar em seus necessários dias de descanso, tão mais necessários por tratar-se de uma atividade profissional demasiadamente estressante. Segundo pesquisa de 2007, da Associação de Cabos e Soldados, 80% dos 70 mil praças do Estado - ou 56 mil PMs - faziam serviços extras para complementar o salário. Detectou-se que na capital havia três vezes mais policiais fazendo "bico" do que exercendo o patrulhamento das ruas. O dado é, sem dúvida, impressionante, ao revelar que, em razão da remuneração que recebem, os PMs paulistas já se acostumaram a contar com esse tipo de ganho "extra". Mas o mais óbvio não seria o governo do Estado propiciar uma remuneração mais justa e adequada aos PMs, consentânea com os esforços e riscos da atividade de segurança pública? E será que o hábito de receber bônus dos municípios não acostumará os agentes da PM a só canalizarem seus esforços para os municípios que os concederem? Há outro inconveniente, porém, que decerto suplanta os já mencionados: trata-se dos servidores da Guarda Civil Metropolitana (GCM), que já ameaçam abandonar determinadas funções de fiscalização se também não forem beneficiados com essas gratificações. E compreende-se perfeitamente sua animosidade, visto que a força paulistana não mais tem por função apenas a proteção dos próprios municipais ou prestação de segurança a monumentos e equipamentos específicos do Município. Com o salário-base de R$ 837, os 6.500 GCMs argumentam que não têm aumento real há 12 anos, e ainda passaram a acumular a função de combater os camelôs e fazer a abordagem dos moradores de rua, desde que um decreto do prefeito Kassab, de novembro de 2007, determinou que a GCM também deve atuar no combate ao comércio informal. "Essa proposta foi um tapa na cara de todo guarda (municipal) que passou a acumular o combate ao camelô e a abordagem dos moradores de rua. Qualquer guarda que ficou sabendo hoje da proposta do prefeito ficou abatido. Por isso somos contra essa gratificação do servidor estadual. A Prefeitura já conta com uma polícia própria", observou Clóvis Roberto Pereira, diretor do SindGuardas. Não era de esperar, mesmo, que uma categoria profissional se conformasse em deixar de ganhar o que outra recebe, desempenhando as mesmas funções - e, no caso, correndo os mesmos riscos. O prefeito tem razão em pretender que a corporação da Polícia Militar de São Paulo se motive, especialmente, em exercer suas funções na cidade de São Paulo, cuja complexidade, no campo da segurança pública, está a exigir forte empenho e entrosamento estreito entre Estado e Município, em operações conjuntas de policiamento e em tudo o mais que possa contribuir para melhorar a segurança dos cidadãos paulistanos, num espaço urbano conturbado pela violência. Sempre haverá a possibilidade de convênios entre instituições estaduais e municipais, no campo da segurança pública - assim como em tantos outros. Que haja, na busca desses caminhos, mais criatividade do que a mera criação de um "bico" para a polícia paulista.