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Bom exemplo que vem de fora

Debate entre o ex-ministro Cardozo e o juiz Moro foi um dos pontos altos em Oxford

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Por Redação
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Uma clara e deplorável demonstração da gravidade da crise econômica, política, social e moral em que o Brasil está encalacrado é o fato de que nossos políticos, magistrados, acadêmicos, pesquisadores, líderes empresariais precisam viajar à Inglaterra para ter uma conversa minimamente racional e objetiva sobre os problemas que nos afligem. Nos dias 13 e 14 últimos, pelo segundo ano consecutivo, 30 brasileiros que se destacam nas mais variadas atividades, com visões distintas e frequentemente conflitantes sobre o País, reuniram-se no Brazil Forum UK 2017, para participar de “um debate plural, transparente e interdisciplinar”, sob o tema geral “Reformulando sistemas”.

A democracia é o regime da liberdade, o que significa que o conflito de opiniões e interesses inerente à complexidade da natureza humana deve ser administrado respeitando-se as divergências e tentando sempre buscar o ponto de equilíbrio que permita a convivência harmoniosa entre homens livres. Não é esse, definitivamente, o ar que se respira hoje no Brasil.

Nesse ambiente radicalizado, em que as lideranças populistas da oposição não têm o menor escrúpulo de acusar um governo que consideram ilegítimo de estar tramando “o fim da aposentadoria dos trabalhadores”, é rarefeita a atmosfera para que se desenvolva um genuíno debate em torno de reformas estruturais de que o País necessita com urgência.

Seria praticamente impossível promover em qualquer cidade brasileira, por exemplo, o debate entre o ex-ministro José Eduardo Cardozo e o juiz Sergio Moro que foi um dos pontos altos do Brazil Forum UK. Sentados lado a lado, Moro e Cardozo defenderam suas posições em torno da “judicialização” da política, trocaram farpas geralmente bem-humoradas e concordaram civilizadamente sobre a preciosa oportunidade que estavam tendo de expor suas convicções. É bem verdade que, pelo fato de o público-alvo preferencial do fórum serem os estudantes brasileiros nas duas entidades promotoras do evento – a London School of Economics (LSE) e a Universidade de Oxford –, às vezes a plateia se entregava a manifestações de apoio ou reprovação, na forma de aplausos ou vaias, sempre no limite adequado para o extravasamento de emoções juvenis.

No momento em que, no Brasil, um encontro entre antagonistas notórios fosse anunciado, haveria imediatamente a mobilização de militantes dispostos a ocupar, à força se necessário, o maior espaço possível para manifestar apoio ao “contendor” de sua preferência e calar no berro o “inimigo”. É exatamente o que costuma acontecer na Câmara dos Deputados ou no Senado Federal, quando está em votação alguma matéria polêmica: os plenários se tornam campos de batalha em que não há espaço para a razão. São magníficos exemplos de baixaria que cumprem a missão antipedagógica de fazer crer ao povo que democracia é baderna e em defesa de “direitos” tudo é permitido. Se isso ocorre na sede do Parlamento, imagine-se o que se passa em recintos menos consagrados ao bom debate.

O desrespeito aos princípios mais corriqueiros da convivência civilizada, a intolerância com ideias, comportamentos ou atitudes, o ódio a tudo o que é considerado antagônico são manifestações desagregadoras estimuladas pela irracionalidade que toma as ruas e contamina as redes sociais. É um fenômeno que, como se observa, não tem fronteiras, mas aos brasileiros cabe lidar com ele, prioritariamente aqui entre nós, o que implica, por exemplo, parar para pensar por que precisamos sair do País para discutir os graves problemas que nos afligem.

O Brazil Forum UK é promovido por um grupo de pesquisadores e estudantes brasileiros pós-graduados na LSE e em Oxford. É uma louvável e importante contribuição para a “reformulação de sistemas” de que o Brasil necessita com urgência. Mas esses novos rumos continuarão tristemente distantes enquanto não tivermos a capacidade de discuti-los consequentemente aqui mesmo.