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Bomba ambulante

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Por Redação
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O acachapante placar da votação que cassou o mandato do senador Delcídio Amaral – 74 votos a favor, nenhum contra – mostra bem como os políticos lidam com colegas que são pilhados em flagrante traição. Eis uma das raras circunstâncias em que o espírito de corpo do Congresso se manifesta – no sentido da autopreservação de seus membros –, suspendendo convenientemente as divergências políticas para que o desafeto seja punido de forma exemplar, como uma severa advertência para que ninguém se arrisque a se comportar da mesma maneira no futuro.

Delcídio foi cassado porque está sendo acusado de tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato. Numa conversa gravada, divulgada em novembro passado, o então líder do governo petista no Senado oferece um plano de fuga e uma mesada para Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobrás envolvido no petrolão, para que este não colaborasse com as investigações – delação que certamente comprometeria alguns figurões não apenas do governo, mas do PT.

Quando a gravação, feita clandestinamente por um filho de Cerveró, foi tornada pública, o Supremo Tribunal Federal (STF) mandou prender Delcídio, que se tornou assim o primeiro senador no exercício do mandato a ir para a cadeia. Ele ficou três meses preso, e àquela altura já estava suficientemente claro que se tratava de uma bomba política ambulante. A cassação de seu mandato era apenas uma questão de tempo.

Sem expectativa de conseguir reverter o processo, Delcídio aceitou colaborar com a Justiça. De sua delação saíram nomes de políticos de variadas colorações, no governo e na oposição, apontados como envolvidos em falcatruas. Foi com base em suas inconfidências que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu ao STF a abertura de inquérito contra um extenso rol de celebridades políticas, como Luiz Inácio Lula da Silva, Jaques Wagner, Edinho Silva, Ricardo Berzoini, Eduardo Cunha, Aécio Neves, Renan Calheiros, Romero Jucá, Jader Barbalho e Valdir Raupp.

Em sua delação, Delcídio também ofereceu detalhes da suposta participação de Lula e da presidente Dilma Rousseff em tramoias para atrapalhar a Lava Jato – e mais tarde se queixou de que foi chamado de mentiroso pelos petistas. “Como líder do governo, agi. O presidente Lula me pediu isso (interferir nas investigações). E, em outras situações, também a própria presidente Dilma. Curioso… Eu fui chamado de mentiroso. Pô, um líder de governo chamado de mentiroso? Eu fui líder dela aqui no Senado. E mentiroso?”

Delcídio não é um qualquer. Tornou-se líder do governo Dilma no Senado graças a seu excelente trânsito no Palácio do Planalto e no Congresso. Conhecia como poucos a cozinha do poder e poderia, se quisesse, comprometer muita gente. Quando se viu acossado pela Justiça e abandonado pelo próprio partido, não teve dúvidas: resolveu levar consigo para o infortúnio tantos quantos conseguisse carregar.

A reação de seus pares foi fulminante. Para acelerar o processo de cassação do parlamentar, o presidente do Senado, Renan Calheiros, condicionou a manutenção da sessão que analisaria o impeachment de Dilma à antecipação do julgamento de Delcídio. O inapelável resultado da votação que cassou Delcídio fala por si.

Restou ao agora ex-senador, que só poderá voltar a se candidatar a cargo público em 2027, denunciar seus algozes. Ele se negou a apresentar sua defesa na sessão do Senado que o cassou porque isso seria “compactuar com as arbitrariedades dessa comédia de fantoches”. Delcídio se disse vítima de “retaliação vil à sua condição de colaborador da Justiça” e sugeriu que a pressa para votar sua cassação, fruto de “manobra traiçoeira, típica do gangsterismo que intimida pessoas e ameaça instituições”, refletia a “preocupação de quem pretende manter-se nas sombras da impunidade”.

As duras palavras de Delcídio têm endereço certo – são dezenas de políticos importantes que podem ser implicados por suas revelações. E o ex-senador petista agora está livre para falar o que quiser, pois não tem mais nada a perder.