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Brincando com ciclovias

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Por Redação
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A ciclovia da Avenida Paulista - anunciada pelo secretário municipal de Transportes, Jilmar Tatto, com a habitual mistura de ligeireza e sensacionalismo - levanta três problemas para os paulistanos. O primeiro é que as obras, a começar em janeiro, afetarão gravemente o trânsito na região, com repercussões em ampla área da cidade, porque sua execução exige a interdição de uma faixa de rolamento em cada sentido. E isso vai durar seis longos meses.Além dos moradores do entorno da avenida, as centenas de milhares de pessoas que frequentam a região diariamente que se preparem para um semestre de agruras maiores do que as que já enfrentam hoje. O segundo problema é a mudança por que vai passar a Paulista, eleita como símbolo da cidade, sem que seus habitantes fossem consultados a respeito. Como a ciclovia ficará no canteiro central, relógios de rua e floreiras serão removidos, mudando a imagem da avenida.Tudo isso - e esse é o terceiro e mais importante problema - para uma obra de resultados no mínimo duvidosos, marcada pelo improviso e a falta de planejamento típicos da atual administração, preocupada mais com o brilho enganador do fogo de artifício e da autopromoção do que com reais benefícios para a população.Com exceção do trecho entre as Ruas da Consolação e Haddock Lobo, no sentido Paraíso, que terá uma das três faixas suprimida, no restante da Paulista as faixas existentes serão preservadas, mas estreitadas. A largura será reduzida de 3 m para 2,8 m nas faixas de carros e de 3,5 m para 3,3 m nas de ônibus, o que vai dificultar a circulação - principalmente para os motociclistas, porque estreita o espaço entre os carros - e exigir mais cuidado dos motoristas. Com isso, o risco de acidentes tende a aumentar.A ciclovia da Paulista formará um eixo com idênticas pistas exclusivas em outras vias, ligando Ibirapuera, Jardins, Pacaembu e Rua Vergueiro. Ela é parte de um conjunto que inclui ciclovias na Avenida Bernardino de Campos e nas Ruas Bela Cintra, Haddock Lobo, Frei Caneca, Pamplona, Itápolis, Abílio Soares, Honduras e Vergueiro. Essa ampla intervenção no sistema viário está sendo feita, ao que tudo indica, sem planejamento e sem estudos técnicos que atestem sua conveniência e sua viabilidade, como se bastasse ela brotar da imaginação do secretário Tatto para ser aceita como algo bom para a cidade.Se aqueles estudos por ventura existem, por que não foram divulgados? Depois do projeto pronto, de pouco adianta, como promete Tatto, colocá-lo "à disposição da sociedade por pelo menos dois meses" para receber sugestões. A essa altura, só seria possível mudar detalhes do tal projeto.As questões realmente importantes no caso das ciclovias foram desde o início descartadas. Por exemplo, é preciso determinar preliminarmente, com base em estudos sérios, quais ciclovias podem de fato ser úteis para o sistema de transporte. Isto, por sua vez, deve levar em conta a topografia particularmente ingrata de São Paulo para a locomoção por bicicleta. E também, é claro, a possível demanda de cada uma das vias. Sair por aí improvisando roteiros apenas para aproveitar as áreas planas em que esse transporte é viável, sem determinar os reais benefícios que podem eles trazer, não é coisa séria.Se se quer aproveitar o que as ciclovias podem dar a São Paulo - que deve ser pouco, tendo em vista o terreno acidentado e as grandes distâncias de uma cidade espalhada como essa -, que se faça com a necessária responsabilidade. Projetos como o das ciclovias que têm a Avenida Paulista como eixo, sem trajetos coerentes e articulados que tragam ganho efetivo para o sistema de transporte, beiram à irresponsabilidade. São obras de administradores que parecem brincar com coisas sérias e que afetam a vida de milhões de pessoas.Resta ainda uma esperança de frustrar a aventura da ciclovia da Paulista. O Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat), órgão estadual, que se declarou competente para tal, pode negar seu aval ao projeto.