
23 Março 2013 | 02h09
Cai, assim, mais uma artimanha legal, criada por meio da Emenda Constitucional n.º 62, de 2009, destinada a protelar de maneira indefinida o pagamento devido aos que conquistaram na Justiça o direito de serem indenizados pelo poder público. Resta ainda um caminho jurídico a ser definido, e posteriormente percorrido, até que o dinheiro a que têm direito os credores do governo chegue a seus bolsos. O STF precisa definir o que o ministro Luiz Fux, redator do acórdão, chamou de "modulação dos efeitos" dos pagamentos que foram definidos de acordo com a emenda constitucional agora considerada inconstitucional pela maioria dos ministros do STF. Segundo Fux, isso será feito "o mais rápido possível".
Precatórios são dívidas da administração pública - federal, estadual ou municipal - reconhecidas por decisão judicial da qual não cabe mais recurso. Elas deveriam ter sido quitadas logo após a publicação da sentença, mas, sempre alegando falta de recursos, o poder público deixou de cumprir a maior parte das sentenças, o que resultou num grande acúmulo de dívidas. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça, até meados de 2012 essas dívidas reconhecidas judicialmente, mas não quitadas pelos Estados e municípios, somavam R$ 94 bilhões.
A lista dos credores que aguardam o pagamento a que têm direito por sentença já transitada em julgado - ou seja, da qual não cabe mais nenhuma forma de recurso por parte do devedor - inclui funcionários públicos da ativa ou aposentados, bem como pensionistas, que têm direito a diferenças salariais e a outras formas de remuneração e de indenização. São os detentores dos chamados precatórios alimentares. Há também os precatórios não alimentares, referentes a pagamentos por desapropriações de imóveis para execução de obras públicas.
A Emenda Constitucional n.º 62 foi proposta no governo Lula alegadamente a fim de organizar o pagamento dos precatórios, instituindo uma regra que assegurasse a quitação dessas dívidas de acordo com critérios rígidos e dentro de um prazo razoável para os credores. As mudanças por ela provocadas na forma de pagamento dos precatórios, no entanto, justificaram inteiramente o nome pelo qual ela acabou conhecida, de "Emenda do Calote".
Ela fixava um limite mínimo da receita corrente líquida dos governos para o pagamento dos precatórios. Isso obrigava os governos devedores a quitar com regularidade sua dívida. Mas o limite era tão baixo que a quitação do montante da dívida levaria dezenas de anos.
Além disso, a emenda estabelecia que metade da dívida deveria ser quitada com preferência para idosos e doentes e por ordem cronológica. A outra metade poderia ser paga por meio de leilão (cujo vencedor seria o que oferecesse o maior desconto), por ordem decrescente de valor ou por acordo com os credores.
Na votação de duas ações diretas de inconstitucionalidade, a maioria dos ministros acompanhou o relator dessas ações, ministro Ayres Britto (já aposentado), que considerou inconstitucionais as regras introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 62, por entender que elas afrontam cláusulas pétreas, entre as quais a garantia de acesso à Justiça, a independência entre os Poderes e a proteção à coisa julgada.
Com relação aos leilões, o ministro Luiz Fux observou que eles nada têm de voluntários. "É um leilão pelo maior deságio." Ou seja, só entrariam nele os credores que, descrentes da possibilidade de receber o valor devido e reconhecido pela Justiça em termos definitivos, aceitassem receber apenas uma parcela daquilo a que têm direito. "Podemos fechar os olhos a essa aberração constitucional?", perguntou o ministro. Felizmente, ele e a maioria de seus pares não fecharam.
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