03 de novembro de 2014 | 02h04
Não houvesse outros motivos, bastaria o impacto da escolaridade no processo de inclusão e ascensão social das camadas menos favorecidas da sociedade para tornar a questão educacional uma das prioridades centrais dos governantes que tomarão posse no início do próximo ano.
Para corrigir e reverter a degradação do sistema de ensino - um universo de 27 Estados, 5.570 municípios, 50 milhões de alunos e 5 milhões de funcionários distribuídos por 200 mil escolas do ensino fundamental e médio - um bom começo talvez seja o resgate da figura do professor. Entre 2012 e 2013 houve uma queda de 22 mil concluintes dos cursos de licenciatura, segundo o Censo do Ensino Superior divulgado pelo Ministério da Educação.
Além de prejudicar a qualidade de ensino, as reconhecidas deficiências da gestão escolar também são fator de desestímulo, pois os professores mais interessados e motivados se veem privados de boas condições para exercer seu ofício. Primeiro ponto a receber crítica dos especialistas: a prevalência de indicações políticas para cargos de gestão, quase sempre sem respeito a critérios de competência ou formação profissional.
Dois recentes editoriais deste jornal põem o dedo na ferida ao afirmarem que a má qualidade do ensino não se deve - como muito se fala - à escassez de recursos orçamentários. Se ainda havia dúvida quanto a isso, ela seria eliminada pelo volume de dinheiro distribuído pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) a Estados e municípios que não têm recursos para bancar o investimento mínimo de R$ 2.285 por aluno. De 2007 a 2013 as verbas desse fundo saltaram de R$ 67 bilhões para R$ 116 bilhões, descontada a inflação e tendo como destino o pagamento dos professores, a compra de equipamentos e a manutenção das atividades básicas, como transporte e merenda.
Apesar da fartura de reais, a maior parte dos Estados beneficiados com fatias do bolo do Fundeb não atingiu a média nacional do Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico (Ideb). Além da má gestão, tais recursos também são alvo de corrupção, segundo relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) que apontou desvios de verbas em 73% dos 180 municípios fiscalizados.
Como relata um dos mencionados editoriais, há menos de um ano a Polícia Federal prendeu seis ex-prefeitos, quatro vereadores e cinco secretários municipais de Educação da Bahia por desvio de R$ 30 milhões do Fundeb. Entre os ralos pelos quais escoa o dinheiro da educação, a CGU identificou gastos perdulários, falhas administrativas, contratos irregulares, superfaturamento, fraudes em licitações, notas fiscais frias. Entre as espantosas irregularidades e os desperdícios, a CGU apurou que comissões pagas por empresas vencedoras de licitações atingiam a média de 20% do valor do contrato.
A CGU apontou, ainda, a falta de preparo técnico dos integrantes dos conselhos de acompanhamento do Fundeb, criados para promover o tal controle social dos gastos do fundo. Boa parte deles não monitora a aplicação das verbas (50% dos casos), não supervisiona a realização do Censo Escolar (59%) nem acompanha a elaboração do orçamento anual da educação nos respectivos municípios (63%). E para piorar a situação dos sofridos professores, quase 22% das prefeituras fiscalizadas não destinaram 60% dos recursos que receberam para pagamento dos seus educadores.
Há casos de professores e de diretores escolares que conseguem driblar as dificuldades e obtêm resultados surpreendentes nos quesitos qualidade do aprendizado e respeito das comunidades em que atuam. Noticiados com louvor pela mídia, de um lado, eles despertam admiração e aplausos, mas, de outro, não deixam de causar perplexidade e até certo desencanto (mais um!) com nossas lideranças políticas. Isso porque, embora raros, considerando a amplitude da rede brasileira de ensino público, eles valem por uma indiscutível prova de que com uma correta política pública de educação as escolas poderiam ser, com certeza, a mais sólida alavanca para a redução das desigualdades sociais.
Como o número de alunos cresce numa proporção inferior ao salto registrado nas transferências do Fundeb, é razoável inferir que com mais verbas os Estados e municípios beneficiados deveriam ter elevado o gasto por aluno, com consequente melhora do aprendizado. Só que, como mostram os indicadores nacionais e internacionais, a qualidade vem subindo, na média geral, a passos de tartaruga, até por consequência de outra falha - aliás, entranhada na cultura brasileira: a resistência à adoção de sistemas de avaliação do desempenho dos gestores escolares, dos professores e dos alunos.
Sem instrumentos eficazes de fiscalização da aplicação dos recursos o ensino público continuará a ser a prova viva de que nem sempre o que falta é dinheiro para corrigir as distorções e melhorar o desempenho do mestre e do aluno. Mais do que a recorrente reivindicação por mais dinheiro dos cofres públicos, a qualidade da educação depende, principalmente, de ética no trato da coisa pública, de competência na gestão e do olhar vigilante da sociedade.
*Ruy Martins Altenfelder Silva é presidente do conselho de administração do Centro de Integração Empresa Escola (CIEE) e da Academia Paulista de Letras Jurídicas
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