
03 Dezembro 2010 | 00h00
Não bastasse tudo isso, o malogro da agenda ambiental do presidente Barack Obama - bloqueada pelos republicanos no Congresso - está levando mesmo os países industrializados a descrer de acordos em âmbito global. Já não falta quem proponha que se tente chegar a acordos parciais no âmbito do G-8 ou do G-20, capazes de influenciar também acordos comerciais e levar à redução das emissões de gases que intensificam mudanças do clima. Até mesmo uma prorrogação do Protocolo de Kyoto (que expira em 2012) parece difícil a esta altura, embora tenha ajudado países industrializados a reduzir seu balanço de emissões e criado um mercado mundial de carbono. A Rússia (que baixou suas emissões em 33% com o processo de desindustrialização) já deixou claro que novo protocolo só com a adesão dos Estados Unidos e da China; e o Japão não quer novo protocolo.
Enquanto isso, relatório do WWF alerta que as emissões de poluentes podem superar 40 gigatoneladas em 2020 e comprometer a meta de a temperatura não aumentar mais que 2 graus Celsius; se for feito apenas o que se pensou em Copenhague, as emissões daqui a dez anos ficarão entre 47,9 e 53,6 gigatoneladas. Sir Nicholas Stern, o respeitado consultor do governo britânico, adverte que até 2030 as emissões não podem ultrapassar o nível em que estão hoje, também para não ultrapassar 2 graus. Segundo a revista Nature, citada pela New Scientist (19/9), nada menos que 750 gigatoneladas de poluentes podem ser liberadas na atmosfera até 2050 (hoje, só Estados Unidos e China, juntos, emitem 12 gigatoneladas por ano). A própria ONU (Folha de S.Paulo, 23/11) acha muito difícil que não se ultrapassem os 2 graus na temperatura. Em 2009 as emissões globais caíram 1,3% (em relação a 2008), com as reduções nos países industrializados, por causa da crise econômica. Mas aumentaram 8% na China, 6,2% na Índia. E podem voltar a crescer no balanço de 2010. Um dos números mais favoráveis é o que aponta queda de 25% nas emissões por desmatamento nesta primeira década do século 21.
Para o Brasil o panorama parece um pouco melhor. Foi, afinal, regulamentada a lei da política nacional do clima e as emissões baixaram do pico de 2,675 gigatoneladas equivalentes de dióxido de carbono (2004) para 1,775 gigatonelada (2009), segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia - ou seja, menos 33,6%, graças em grande parte à queda do desmatamento na Amazônia (a meta é reduzi-lo em 80% até 2020, juntamente com 40% no Cerrado).
Uma das áreas mais complicadas é a da emissão de metano pelo gado bovino, várias vezes já comentada neste espaço. Afirma o Financial Times (29/11) que as emissões na pecuária superam as de aviões, trens e automóveis, juntos. No mundo, seriam 1,3 bilhão de cabeças de gado bovino (além de 1 bilhão de ovelhas e 16 bilhões de frangos). Cada boi emitindo 58 quilos por ano e o metano sendo 23 vezes mais prejudicial na atmosfera que o carbono, chega-se a números astronômicos (no Brasil, 205 milhões de cabeças multiplicadas por 58 quilos/ano serão quase 12 milhões de toneladas anuais; multiplicadas por 23, darão o total de mais de 270 milhões de toneladas).
No mundo, diz aquele jornal, o consumo de carne tem crescido muito, assim como o de laticínios e ovos. Na China, quase cinco vezes em 25 anos, para chegar a 59,5 quilos anuais. Nos países industrializados, o consumo de carne está em mais de 80 quilos anuais por pessoa, embora com a tendência de deslocar-se da carne bovina para a de frangos e peixes. Nos demais países, a média está em 13,3 quilos anuais.
É um panorama muito preocupante também para o Brasil o do clima, já que o próprio Boletim do Ipea (n.º 4) registra que a temperatura por aqui pode elevar-se até 8 graus neste século. O Serviço Geológico do Brasil diz que o volume de chuvas no Distrito Federal e em Goiás caiu 6,58% entre 1974 e 2008. A seca do Rio Negro, no Amazonas, foi este ano a maior em um século.
Como se fará, em Cancún e outros fóruns, para superar questões como as da China e da Índia, que querem urbanizar e aumentar o consumo de milhões de pessoas - e pretendem usar mais carvão para gerar energia? Ou para resolver o problema de 1 bilhão de pessoas que passam fome no mundo? Ou a passividade dos países mais ricos, mergulhados em crise econômica? Mas pelo outro lado, como lembra o ex-secretário da ONU Kofi Annan, mudanças climáticas e consumo insustentável de recursos "ameaçam a sobrevivência da espécie humana". E o relatório da ONG Oxfam agora divulgado aponta 21 mil mortos por desastres climáticos em nove meses deste ano, entre centenas de milhões de atingidos e desabrigados e centenas de bilhões de dólares em prejuízos materiais.
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