Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Cartão vermelho

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Por Redação
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O golpe de cena do senador petista Eduardo Suplicy, de sacar de um cartão vermelho para dramatizar, da tribuna onde discursava, a sua posição pela renúncia de José Sarney à presidência da Casa, foi apenas a expressão mais vistosa da persistência de uma crise que os parceiros do cacique maranhense supunham superada quando, com a inestimável contribuição do presidente Lula, impediram na semana passada o desengavetamento de qualquer das 11 denúncias e representações contra Sarney no Conselho de Ética. A realidade é que o Senado travou e não se imagina como conseguirá se recuperar sem o afastamento do seu dirigente. A tropa de choque do governismo pode intimidar os adversários no grito. Lula pode impor a sua vontade aos senadores do seu partido desconfortáveis com a operação-abafa dos pedidos de investigação das malfeitorias de Sarney. Mas nem as milícias da maioria nem, muito menos, a descarada intromissão do Planalto para assegurar a impunidade do seu aliado podem deter o esvaecimento do Senado como instituição legislativa. "A crise não está no Senado", resumiu com propriedade o tucano Sérgio Guerra, de Pernambuco. "É o Senado." Isso porque, embora o repúdio da opinião pública ao descalabro ético encarnado na figura do obsoleto oligarca não tenha levado multidões às ruas, os senadores continuam a receber mensagens de protesto em volume tal que não os deixa resvalar para a acomodação, na proverbial paz dos cemitérios. (Segundo uma recente pesquisa, 74% dos brasileiros querem que Sarney se vá.) Obrigados, portanto, a dar um mínimo de satisfação à sociedade, ou fazem como Suplicy - que simbolizou com o lance do cartão o fato de que "o País não suporta mais tantas denúncias sem respostas à altura", como afirmou - ou fazem como os 9 membros do PSDB e do DEM no desmoralizado Conselho de Ética, renunciando aos seus cargos. Ou fazem como os integrantes oposicionistas - e do PT - no colégio de líderes da Casa. Eles boicotaram na terça-feira a primeira reunião convocada por Sarney desde a farsa no Conselho para definir a pauta dos próximos trabalhos parlamentares. Foi um ato que não causa sensação como o gesto de Suplicy, mas teve impacto no ambiente político interno. Com a sua ausência, os condutores das bancadas da oposição fizeram ver a Sarney que não adianta se comportar como se a página tivesse sido virada. Na véspera, ele já tentara fazer de conta que tudo estava apaziguado. Com o ar de literato que aprecia exibir, subiu à tribuna para proferir um discurso pela passagem do centenário da morte do escritor Euclides da Cunha (e pelos 55 anos do suicídio de Getúlio Vargas). Foi colhido por um duro aparte do senador Suplicy, antecipando o seu pronunciamento do dia seguinte. Ao advertir Sarney de que não era hora de "mudar de assunto", o petista decerto transgrediu a praxe pela qual se espera dos congressistas que fiquem no assunto dos discursos que aparteiam. Mas não deu ao orador o conforto de acreditar que aplacara a turbulência desencadeada pela revelação dos escândalos que pontuam a sua longeva carreira no Senado. Os seus aliados acham que, se ele "voltasse aos poucos", o quadro se normalizaria. Nada indica isso. No vácuo das deliberações sobre projetos de lei, a tribuna é um convite permanente aos senadores desejosos de demonstrar inconformismo perante o eleitorado. Em meio ao desfiguramento político da instituição, eis que o público recebe a notícia de que o primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) tem engatilhadas duas formidáveis iniciativas. Uma é a da reforma - não dos costumes dos seus pares, mas das instalações do plenário. Ao custo de R$ 12 milhões, ao que se divulgou, será refeito o forro e modificado o sistema de iluminação do local, entre outras novidades de duvidosa oportunidade. A segunda iniciativa, na mesma linha, é a da construção em um dos estacionamentos da Casa de uma praça de alimentação de 800 metros quadrados, com dois restaurantes e uma lanchonete que acomodarão 150 pessoas. No começo do ano, quando assumiu a presidência, Sarney anunciou um corte de 10% nos investimentos do Senado. Mas não é pelo dinheiro que isso acentua o desalento com a instituição, cuja razão de ser muitos até questionam (equivocadamente). É pela insensibilidade dos que a conduzem - que acham que, mudando luminárias e construindo lanchonetes, superarão o impasse político sem precedentes na história do Senado. O golpe de cena do senador petista Eduardo Suplicy, de sacar de um cartão vermelho para dramatizar, da tribuna onde discursava, a sua posição pela renúncia de José Sarney à presidência da Casa, foi apenas a expressão mais vistosa da persistência de uma crise que os parceiros do cacique maranhense supunham superada quando, com a inestimável contribuição do presidente Lula, impediram na semana passada o desengavetamento de qualquer das 11 denúncias e representações contra Sarney no Conselho de Ética. A realidade é que o Senado travou e não se imagina como conseguirá se recuperar sem o afastamento do seu dirigente. A tropa de choque do governismo pode intimidar os adversários no grito. Lula pode impor a sua vontade aos senadores do seu partido desconfortáveis com a operação-abafa dos pedidos de investigação das malfeitorias de Sarney. Mas nem as milícias da maioria nem, muito menos, a descarada intromissão do Planalto para assegurar a impunidade do seu aliado podem deter o esvaecimento do Senado como instituição legislativa. "A crise não está no Senado", resumiu com propriedade o tucano Sérgio Guerra, de Pernambuco. "É o Senado." Isso porque, embora o repúdio da opinião pública ao descalabro ético encarnado na figura do obsoleto oligarca não tenha levado multidões às ruas, os senadores continuam a receber mensagens de protesto em volume tal que não os deixa resvalar para a acomodação, na proverbial paz dos cemitérios. (Segundo uma recente pesquisa, 74% dos brasileiros querem que Sarney se vá.) Obrigados, portanto, a dar um mínimo de satisfação à sociedade, ou fazem como Suplicy - que simbolizou com o lance do cartão o fato de que "o País não suporta mais tantas denúncias sem respostas à altura", como afirmou - ou fazem como os 9 membros do PSDB e do DEM no desmoralizado Conselho de Ética, renunciando aos seus cargos. Ou fazem como os integrantes oposicionistas - e do PT - no colégio de líderes da Casa. Eles boicotaram na terça-feira a primeira reunião convocada por Sarney desde a farsa no Conselho para definir a pauta dos próximos trabalhos parlamentares. Foi um ato que não causa sensação como o gesto de Suplicy, mas teve impacto no ambiente político interno. Com a sua ausência, os condutores das bancadas da oposição fizeram ver a Sarney que não adianta se comportar como se a página tivesse sido virada. Na véspera, ele já tentara fazer de conta que tudo estava apaziguado. Com o ar de literato que aprecia exibir, subiu à tribuna para proferir um discurso pela passagem do centenário da morte do escritor Euclides da Cunha (e pelos 55 anos do suicídio de Getúlio Vargas). Foi colhido por um duro aparte do senador Suplicy, antecipando o seu pronunciamento do dia seguinte. Ao advertir Sarney de que não era hora de "mudar de assunto", o petista decerto transgrediu a praxe pela qual se espera dos congressistas que fiquem no assunto dos discursos que aparteiam. Mas não deu ao orador o conforto de acreditar que aplacara a turbulência desencadeada pela revelação dos escândalos que pontuam a sua longeva carreira no Senado. Os seus aliados acham que, se ele "voltasse aos poucos", o quadro se normalizaria. Nada indica isso. No vácuo das deliberações sobre projetos de lei, a tribuna é um convite permanente aos senadores desejosos de demonstrar inconformismo perante o eleitorado. Em meio ao desfiguramento político da instituição, eis que o público recebe a notícia de que o primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI) tem engatilhadas duas formidáveis iniciativas. Uma é a da reforma - não dos costumes dos seus pares, mas das instalações do plenário. Ao custo de R$ 12 milhões, ao que se divulgou, será refeito o forro e modificado o sistema de iluminação do local, entre outras novidades de duvidosa oportunidade. A segunda iniciativa, na mesma linha, é a da construção em um dos estacionamentos da Casa de uma praça de alimentação de 800 metros quadrados, com dois restaurantes e uma lanchonete que acomodarão 150 pessoas. No começo do ano, quando assumiu a presidência, Sarney anunciou um corte de 10% nos investimentos do Senado. Mas não é pelo dinheiro que isso acentua o desalento com a instituição, cuja razão de ser muitos até questionam (equivocadamente). É pela insensibilidade dos que a conduzem - que acham que, mudando luminárias e construindo lanchonetes, superarão o impasse político sem precedentes na história do Senado.