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Caso de polícia

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Por Redação
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Apesar de o presidente Lula ter dito, na entrevista que concedeu terça-feira no Palácio do Eliseu, durante seu encontro com o chefe de Estado francês, Nicolas Sarkozy, que a crise do Senado do Brasil não existe, tratando-se apenas de "uma divergência" - coisa tão comum em instituições parlamentares -, o fato é que alguns dos escândalos ocorridos naquela Casa já são, literalmente, casos de polícia - como, aliás, sempre foram. O Ministério Público (MP) determinou que a Polícia Federal (PF) investigue o megaescândalo dos "atos secretos" do Senado, ocorridos nos últimos 15 anos - quando 663 medidas administrativas da Casa foram mantidas sob sigilo -, pois estão repletos de graves indícios de práticas de crimes de diversas modalidades. É claro que o que ocorre na Câmara Alta está muito longe de ser uma simples "divergência". Só o presidente Lula vê as coisas dessa maneira - a mesma que o levou a dizer que o mensalão, com formação de quadrilha e desvio de elevadas somas, era "folclore do Congresso". A respeito dos atos secretos, revelados pelo Estado em matéria de 10 de junho, a solicitação de investigação aprofundada, feita pelos procuradores José Diógenes Teixeira e José Robalinho Cavalcanti à PF, tem o caráter de urgência. Para o procurador Cavalcanti, já ficou claro que o desrespeito à exigência constitucional e legal de publicidade dos atos dos poderes públicos se deveu ao propósito deliberado de encobrir crimes. O Ministério Público já havia antes instaurado um inquérito, mas este só atingiria os responsáveis na esfera civil, com penas administrativas e eventual ressarcimento de prejuízo aos cofres públicos. Agora a Polícia Federal deverá apurar os indícios de práticas de peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, corrupção passiva e prevaricação - crimes punidos com penas de prisão. O procurador Robalinho Cavalcanti esclareceu que a investigação preliminar do MP revelou que os atos administrativos do Senado não só eram escondidos, como havia um esquema para burlar o controle interno, em uma estratégia para incluir os servidores nomeados secretamente na folha de pagamentos. "Eles faziam parecer que os atos eram publicados para os mecanismos de controle. Era feito um engodo", observou o procurador. Aliás, o esquema de burla aos mecanismos de controle e os disfarces para fazer os atos irregulares ou condenáveis - para dizer o menos - parecerem normais também são bem ilustrados pela prática do chamado "nepotismo cruzado". Por meio dele os parlamentares dão empregos - alguns fantasmas - a seus parentes, colocando-os nos gabinetes de colegas, já que, se os colocassem no próprio gabinete, "dariam muito na vista" e poderiam ser atingidos pelos dispositivos legais que proíbem o nepotismo. A Mesa Diretora do Senado anulou, terça-feira, o ato secreto de 2006 que aumentou o valor da função comissionada de 40 chefes de gabinete de secretarias, anunciando que, "se algum servidor tiver recebido, terá de haver ressarcimento" - sendo, no mínimo, curiosa essa frase no condicional. Também anulou o ato secreto que estendia ao diretor-geral e ao secretário da Mesa o benefício de assistência médica vitalícia, hoje desfrutada por senadores, ex-senadores e respectivos familiares - o que, convenhamos, é "moralização" muito modesta, visto que profundamente imoral é a simples existência de assistência médica vitalícia, paga com dinheiro público, para quem quer que tenha exercido mandato eletivo. Essas duas tímidas medidas "saneadoras" - em meio a 663 atos secretos - em nada indicam que o próprio Senado, cuja degradação de imagem desceu a nível jamais imaginado, terá condições de corrigir malfeitos praticados durante, pelo menos, uma década e meia. Por outro lado, apesar de todo o comprometimento que possam ter tido - e, certamente, tiveram - os ex-diretores da Casa Agaciel Maia e João Carlos Zoghbi no somatório substancioso de ilícitos que têm jorrado da Câmara Alta, é impossível supor que os senadores, a começar pelos dirigentes da Mesa, estivessem inteiramente alheados do que se passava no seio do Legislativo Federal. Assim, não se estranhe se, já tendo a Polícia Federal começado a investigar criminalmente os funcionários envolvidos, o Supremo Tribunal Federal se veja obrigado a investigar alguns senadores.