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Casuísmo chavista

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Por Redação
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Mais cedo ou mais tarde, especialmente quando se encontram diante de um risco existencial, regimes autoritários que pretendem se passar por democráticos revelam sua verdadeira natureza. É o caso da Venezuela chavista, cujo governo diz respeitar a democracia apenas pelo fato de que promoveu dezenas de eleições cuja lisura foi aferida por observadores internacionais. Agora, no entanto, diante da iminência de uma derrota nas urnas, o chavismo agiu como a verdadeira ditadura que é, ao alterar as regras do jogo eleitoral para tentar impedir que a oposição triunfe.

Em algum momento do último trimestre deste ano, conforme anunciou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), os venezuelanos irão às urnas para renovar a Assembleia Nacional. A imprecisão da data já dá a medida da fragilidade do processo, totalmente permeável aos interesses oficialistas. O CNE – que, como as demais instituições de Estado, está tomado por chavistas – notabilizou-se nos últimos anos por permitir tudo ao governo e nada à oposição.

O simples fato de que ainda não há uma data marcada para a eleição – que, segundo todas as pesquisas, indica o favoritismo dos oposicionistas – já é suficiente para levantar suspeitas de que alguma tramoia esteja em curso. Por essa razão, o governo brasileiro vem pressionando as autoridades da Venezuela a estabelecer uma data o quanto antes.

Os últimos movimentos do campo governista levam a duas certezas. A primeira é que o presidente Nicolás Maduro e seu Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) estão informados de que não são desprezíveis as chances de uma surra eleitoral. A segunda é que tudo farão para impedi-la.

Em abril, a maioria chavista na Assembleia Nacional aprovou uma medida por meio da qual o CNE diminuirá o número de deputados que podem ser eleitos nas zonas consideradas redutos da oposição. Na manobra, os governistas fizeram uma estimativa populacional a partir da qual o CNE vai calcular o número de cadeiras por região. Ignorando o Censo oficial, o estudo ampliou o total da população nas zonas dominadas pelo chavismo e diminuiu o número de habitantes das regiões oposicionistas.

Assim, o CNE, que aumentou de 165 para 167 o número de vagas na Assembleia, vai tirar uma cadeira de uma das circunscrições que costumam ser dominadas pela oposição e dará três vagas a mais para circunscrições que apoiam o chavismo. Para explicar essas mudanças, o PSUV usou seu habitual cinismo, ao dizer que houve forte migração para áreas simpáticas ao chavismo em razão do programa Grande Missão Vivenda – o equivalente ao Minha Casa, Minha Vida – a partir de 2011.

Não é a primeira vez que o governo apela à mão do gato para prejudicar a oposição. Na eleição de 2010 também houve mudanças nas circunscrições para dar mais vagas aos candidatos governistas. Na ocasião, a oposição obteve 52% dos votos em todo o país, mas ficou com apenas 67 das 165 cadeiras da Assembleia Nacional, que desde então tudo faz para calar os oposicionistas.

A chicana chavista se assemelha ao chamado “Pacote de Abril”, conjunto de leis que a ditadura brasileira baixou em 1977 para impedir o avanço eleitoral da oposição e perpetuar a maioria governista no Congresso. Assim como na Venezuela agora, o regime militar do Brasil diminuiu a representatividade de Estados mais populosos e aumentou a de Estados menores – onde o partido governista tinha mais chances de sucesso. Como se nota, ditaduras não primam pela originalidade: quando se veem em xeque, dão um tapa no tabuleiro.

A oposição venezuelana, no entanto, procura manter o otimismo e assegura que pode vencer mesmo nos redutos chavistas, em razão principalmente da imensa crise econômica e social que o país atravessa. As pesquisas chancelam essa expectativa. O mais recente levantamento do instituto Datanalisis, um dos mais respeitados da Venezuela, informou que 59,6% dos eleitores declararam voto na oposição, ante apenas 22,5% no governo.