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Chamas e brasas da inflação

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Por Redação
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O desemprego, a perda de renda e a insegurança das famílias no meio de uma crise sem solução à vista estão freando a alta de preços. Derrubar a inflação é um dos poucos efeitos positivos da recessão. No Brasil, esse efeito demorou a aparecer, mas finalmente é visível. Ficou em 0,43%, em março, a variação do IPCA-15, prévia do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, usado para fixação das metas oficiais e como referência para a política monetária. Acuado pela Operação Lava Jato e pela ameaça de impeachment da presidente Dilma Rousseff, o governo terá poucas chances de alardear essa rara notícia favorável na área econômica. Uma nova oportunidade poderá surgir no começo de abril, quando o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) publicar o número final deste mês.

Em fevereiro, o IPCA-15 havia subido 1,42%. No mês fechado, a alta ficou em 0,90%. A previsão mais otimista do mercado havia sido de 0,92%. Com a informação divulgada ontem, os analistas do mercado reformularam, com um pouco mais de otimismo, suas projeções do número final de março.

De acordo com as estimativas de 25 instituições consultadas pela Agência Estado, o aumento mensal do IPCA ficará entre 0,38% e 0,60%, com mediana e média de 0,46%. Em 12 meses, o IPCA-15 subiu 9,95%, ficando abaixo de 10% pela primeira vez depois de outubro do ano passado, quando a alta acumulada bateu em 9,77%.

Também ontem o Instituto para o Desenvolvimento do Varejo (IDV), mantido por 70 importantes empresas de vários segmentos comerciais, informou o resultado de sua sondagem de fevereiro. O levantamento indicou vendas 6% menores que as de um ano antes, descontada a inflação. Foi o 11.º mês de resultados menores que os do mês correspondente do ano anterior.

“O resultado negativo”, segundo nota da instituição, “é motivado pela continuidade da deterioração dos pilares macroeconômicos que direcionam o consumo, como a queda do nível de emprego e renda, o encarecimento do crédito, o aumento da inflação e a redução do índice de confiança.” A referência à inflação é relevante. A alta de preços – agora em ritmo mais baixo – tem sido um dos principais fatores de redução do poder de compra real dos consumidores.

Com o tempo esse desgaste passa a inibir a demanda. No caso brasileiro, a erosão da renda familiar converteu-se em mais um fator recessivo, contribuindo, portanto, para frear a própria inflação. É como se uma explosão, consumindo abruptamente o oxigênio, ajudasse a conter um incêndio.

Os primeiros sinais de contenção da alta de preços apareceram claramente em fevereiro. Isso permitiu aos dirigentes do Banco Central (BC) reafirmar a promessa de manter a inflação de 2016 dentro da margem oficial de tolerância, isto é, até o limite de 6,5%. Esse compromisso foi repetido nesta semana pelo presidente da instituição, Alexandre Tombini, em depoimento no Congresso Nacional.

O recuo da inflação tem sido facilitado também pela menor pressão do câmbio e por uma trégua nas tarifas da energia elétrica. A evolução do dólar, no entanto, dependerá de fatores econômicos e políticos e também de eventos externos, como a condução da política monetária americana.

Internamente, o principal fator inflacionário permanece. Não há expectativa de melhora significativa das contas públicas. A arrecadação tem caído, por causa da retração dos negócios e do emprego, mas a despesa pública é pouco flexível. Além disso, o governo mostra pouca ou nenhuma disposição de promover um ajuste sério de suas contas. De fato, a tendência da presidente Dilma Rousseff e de seus ministros econômicos é manter uma política bastante frouxa, contando com receitas incertas.

Se depender da gestão das finanças públicas, a inflação poderá até recuar durante alguns meses, principalmente por causa da recessão, mas deverá ressurgir quando houver alguma reanimação dos negócios. As chamas poderão diminuir durante algum tempo, mas as brasas continuarão bem acesas.