Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Choque de capitalismo

Está mais do que na hora de aceitar o fato de que a recuperação do País só será possível quando as relações de compadrio derem lugar ao verdadeiro capitalismo

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Por Redação
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Por força de duras circunstâncias, o Brasil está abandonando aos poucos o modelo de “capitalismo companheiro” que vigorou soberano durante os governos petistas. A grande generosidade do Estado em relação a várias empresas, concedendo-lhes benefícios que, na prática, acabavam por reduzir ou até mesmo anular o risco inerente ao sistema capitalista, hoje simplesmente não cabe mais no Orçamento. É claro que esse choque de realidade – afinal, certos setores produtivos, antes acomodados às relações privilegiadas com o Estado, agora terão de reaprender a viver sem os estimulantes fiscais que lhes eram oferecidos a título de vivificar a economia – não será recebido sem choro e ranger de dentes. Mas o governo deve persistir nas medidas capazes de restituir ao mercado seu caráter concorrencial e livre, única maneira de encorajar nos brasileiros o espírito empreendedor, fundamental para o desenvolvimento do País. O mais recente movimento nesse sentido foi a decisão de acabar com a desoneração da folha de pagamento para a maioria dos setores da economia. O governo espera arrecadar R$ 4,8 bilhões com a medida, que beneficiava 40 mil empresas em cerca de 50 setores e representou espantosa renúncia fiscal de R$ 54 bilhões entre 2012 e 2015. O governo de Dilma Rousseff esperava estimular a economia e gerar empregos, mas não foi o que se viu – nem empregos foram gerados nem a economia reagiu. Durante muito tempo, porém, acreditou-se que cabia ao Estado estimular os agentes econômicos, como se a mera vontade do governo bastasse. Essa política fez os incentivos fiscais saltarem de R$ 209 bilhões em 2011, ano em que Dilma Rousseff assumiu a Presidência, para R$ 408 bilhões em 2015, quando a crise já estava à vista de todos e não podia mais ser maquiada pela contabilidade criativa. Essa bondade estatal custou mais de 6% do PIB, três vezes a média verificada nos anos 1980 e 1990. Era obviamente insustentável. Mais do que esses números estratosféricos, que ajudam a explicar a extrema penúria atual, o resultado perverso do voluntarismo petista foi a consolidação da mentalidade segundo a qual todo empreendimento deve contar sempre com a participação do Estado. Felizmente, em razão das imensas dificuldades que o País hoje enfrenta, esse edifício de favores assentado sobre relações de camaradagem, que comprometem a livre concorrência, começa a ruir. O BNDES, por exemplo, mudou drasticamente de orientação. Em vez de privilegiar os “campeões nacionais” eleitos pelo lulopetismo, voltou a apoiar empreendimentos de todos os tamanhos, com ênfase em capital de giro, essencial para manter a economia funcionando. Além disso, o governo mudou a fórmula de cálculo da taxa de juros sobre os empréstimos do BNDES, para reduzir o subsídio ali embutido. Isso faz parte da intenção do governo de enxugar o crédito direcionado, nome que se dá aos financiamentos oficiais – e que o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, apelidou de “meia-entrada”, isto é, um benefício que não se explica senão como benesse a certos setores, pago pelos contribuintes. Outro sinal de racionalidade foi a decisão do governo, anunciada em fevereiro, de reduzir a exigência de conteúdo local para o setor de petróleo e gás, política que, a título de estimular a indústria brasileira, encarecia a produção e diminuía a competitividade da Petrobrás. Os petistas, é claro, reagiram com a habitual fúria. Na sexta-feira passada, a bancada do PT na Câmara chamou a decisão de “crime de lesa-pátria”. Já a Petrobrás, que luta para se recuperar após ter sido dilapidada e assaltada pelo PT e seus associados, disse que a medida do governo é “bem-vinda”. Em todos esses casos, algumas associações empresariais manifestaram grande descontentamento. Chegaram a falar em “desastre”. Trata-se de um exagero. É evidente que ninguém gosta de perder privilégios. Mas está mais do que na hora de aceitar o fato de que a recuperação do País só será possível quando as relações de compadrio derem lugar ao verdadeiro capitalismo.