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Cidadania e ensino

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Por Manoel Vilela de Magalhães
3 min de leitura

Em tempos de forte competitividade ampliam-se as exigências por novos e constantes esforços pela modernização de métodos em todos os setores. São consequências do alinhamento da sociedade ao ritmo da velocidade da informação. Modernizar, no entanto, não é apenas avançar; é implantar e inovar métodos, preferencialmente locais, isto é, próximos da realidade do lugar. Na educação, já não cabem acomodações e obsolescência em salas de aulas, muito menos que a tarefa de ensinar se distancie dessas realidades, numa Nação de tamanha vastidão, de variados costumes e tradições como o Brasil. O Ministério da Educação (MEC), em bem-intencionada ação, empenha-se por uma radical guinada no Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem. Os resultados divulgados recentemente mostram a falência do ensino público. A palavra de ordem, pois, é mudar. Que se mude, para melhor. E há como. Área extremamente sensível às modificações dos hábitos e da própria realidade de cada município ou Estado, a educação, não obstante o cenário globalizado, com suas ciclópicas mudanças, ainda deixa lugar para o estilo e a prática de ensino direto e diferenciado, evitando-se a perda da identidade mais próxima do cidadão, o meio em que vive. Seria erro tolher ideias que movimentem a mente e apontem novos rumos para o desenvolvimento. A estes, aliás, é que se devem alinhar os sistemas de ensino. Há poucas semanas tive ensejo de presenciar cinco jovens amadores teatrais num espetáculo que transmitiu alegria a crianças curitibanas de 7 a 11 anos, que autografavam livros que elas próprias escreveram e ilustraram. O que acontecia em Curitiba? Nada além do coroamento de uma nova ideia para o ensino de redação em língua portuguesa, direcionado a crianças do ensino fundamental. Os improvisados menestréis apenas deram o ar da graça numa inédita colação de grau de alunos que haviam concluído o curso de artes plásticas e texto literário, o Arte/Letrinhas. Na festiva apresentação, além de cânticos, ouvia-se um coral falado, saltitante e de intensa alegria e musicalidade, quase uma ópera. Ninguém estava reinventado a roda. Tratava-se de experiência quantitativamente pequena, que bem poderia tornar-se um norte a examinar e, quem sabe, adotá-lo. Diante de pais e avós emocionados, os jograis improvisaram uma declamação, extremamente veloz, em bom e medieval estilo. Faziam a leitura de trechos de livrinhos que os pequenos autores iriam autografar dali a 20 minutos, na Academia Brasileira de Letrinhas, numa modesta contribuição à criação de modalidades novas de ensinamento. Isso mesmo, Academia Brasileira de Letrinhas! Uma experiência que desde o ano passado vem sendo testada em Curitiba, para, à feição de reforço escolar, estimular crianças à leitura e produção de textos e à iniciação em artes plásticas. Pela voz dos menestréis, trechos diferentes de também diferentes livros formavam sentido, contemplando a plateia com uma autêntica e breve peça de teatro cantado. Afora o espetáculo, ali estava, sobretudo, uma demonstração de que o ensino pode, sim, superar bloqueios. Basta que as salas de aula mudem a configuração, transformando-se em cenário pedagógico. No caso da experiência aqui relatada, a união entre arte e letras. A iniciativa de Curitiba coincide - e até a antecede - com a experiência com que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) almeja mudar as características do Enem. Com as modificações espera-se sutilmente a prática do raciocínio e, principalmente, capacidade para o estudante relacionar temas e, assim, chegar a respostas corretas das provas destinadas a aferir se o aluno tem ou não condições de ingressar num curso universitário. Em Curitiba, na Academia Brasileira de Letrinhas, são evidentes os bons resultados dessa busca de caminhos. Busca que leva o aluno a pensar, meditar, escrever, desenhar e, com seu próprio esforço, estabelecer o pretendido relacionamento, no fundo, a interpretação de textos. Nada na Academia lembra ou se confunde com métodos ultrapassados, em que se pede do aluno pura e simplesmente respostas. O método não usa apostilas, muito menos lições pré-fabricadas. Os professores atuam como orientadores de classe, estimulando os alunos muito mais com respostas a indagações do que com afirmações ou imposição de técnicas estereotipadas de redação em língua portuguesa. Qual o segredo? Nenhum. Apenas a ideia de integrar numa mesma sala e numa mesma oportunidade aulas de artes plásticas e redação. O aluno interpreta em desenho o que escreveu e, no reverso, cria frases sobre o que desenhou. Em seis meses de curso, produz texto e ilustrações para um livro, com tema e estilo de sua livre criação. Nada parecido com contos da carochinha ou de fadas. São textos baseados em temas atualíssimos, redigidos com graça, embora infantil. Desde 2008 foram editados 25 títulos. Quem sabe desses jovens possa surgir um Acorda Brasil para o ensino. A faixa etária ideal para estimular a criatividade é a mesma dos alunos do ensino fundamental. Entretanto, raramente a agenda diária do escolar comporta a matrícula em cursos como o Letrinhas. Quase sempre, e não sem razão, o tempo dos jovens seja tomado com aulas de inglês, música, academias de ginástica ou cursos de arte. Bom seria se o próprio curso regular, inclusive nas escolas públicas, pudesse ser acrescido, como atividade obrigatória, de aulas de criatividade literária. Sem medo de errar. Manoel Vilela de Magalhães foi professor da Universidade de Brasília (UnB) e redator do Estado E-mail: sabendas@gmail.com