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Cinismo eleitoral

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Por Marco Antonio C. Teixeira e Rafael Alcadipani
4 min de leitura

O debate público desempenha papel fundamental na escolha do eleitor. Por meio dele, a oposição aponta falhas do governo e este, por sua vez, defende suas realizações. É o momento em que a sociedade pode avaliar discursos e tomar decisões. Porém, quando se observa a atual disputa eleitoral para o Palácio do Planalto, fica a sensação de que estamos imersos num enorme cinismo eleitoral. Temos enorme dificuldade de perceber quem está sendo sincero a respeito de propostas e das condições para implementá-las. Por cinismo eleitoral entendemos prometer fazer facilmente aquilo que se sabe não depende apenas da decisão do eleito. A presença da postura cínica a que nos referimos será destacada em dois fatos que permeiam a disputa eleitoral no momento.O primeiro tem que ver com a crítica mais que procedente ao elevado número de ministérios, notadamente para acomodar interesses de partidos aliados. No último ano da gestão FHC havia 21 ministérios; no primeiro governo Lula o número saltou para 34; no segundo, 37; e com Dilma alcançou 39. Eleita com fama de boa gestora, Dilma chegou a construir a imagem de que faria uma faxina sem tréguas contra a corrupção e ainda sinalizou com a possibilidade de redução do número de ministérios. No entanto, sucumbiu quando ameaçada na governabilidade por parcela de seus aliados, que na prática acabaram lhe trazendo mais problemas que a própria oposição.Sobre essa questão, Eduardo Campos e Aécio Neves têm dito que pretendem cortar o número de ministérios pela metade. No Brasil, historicamente, o apoio a governos passa pelo controle de posições na máquina pública, sobretudo de ministérios. Para que tal redução de fato ocorra, será necessário um pacto com pelo menos os partidos aliados, qualquer que seja o eleito, o que implicaria mudança na forma de fazer composição política. Dito isso, também é importante reconhecer que, ao contrário de Lula e Dilma, Aécio e Campos trazem bons exemplos. O socialista, no final de 2013, diminuiu de 28 para 21 o número de secretarias em Pernambuco. O tucano viu seu afilhado político, o então governador mineiro Antonio Anastasia, também em 2013, cortar o número de secretarias de 23 para 17. Seus adversários podem até recorrer a teorias conspiratórias afirmando que tal medida atende a objetivos eleitorais de ambos, mas esse argumento é frágil.Decisões orientadas por estratégias eleitorais são comuns em quaisquer partidos, e nesses casos específicos foram benéficas. Deve-se considerar que tal objetivo ainda envolve rediscutir o financiamento de campanha. Ministérios acabam sendo utilizados para levantar recursos justamente pela sua proximidade com o mercado, uma vez que são considerados grandes contratantes de obras e serviços de alto custo. Escândalos de dimensão suprapartidária como o da Máfia dos Sanguessugas e o do Dnit, que foi antecedido pelo escândalo do DNER, demonstram bem isso.O segundo fato se refere às críticas feitas por Aécio e Campos a Dilma quando ela, em rede nacional, anunciou medida provisória (MP) corrigindo os valores do Bolsa Família e a tabela do Imposto de Renda (IR). Eleitoreiro, populista e oportunista foram os termos mais recorrentes. Mas uma pergunta precisa ser feita: governadores, mesmo de oposição, que disputam a reeleição não fazem o mesmo quando inauguram obras e anunciam medidas de impacto que provavelmente nem vão implementar? Não estão usando o cargo em busca de votos?Os problemas de nossa democracia não são meramente retóricos, mas, sim, de reformas estruturais. Todos os partidos estão em dívida por não priorizarem a reforma política na agenda do Congresso. Por exemplo, se realmente querem mudanças, é preciso debater seriamente a reeleição no exercício do cargo ou mesmo indagar se faz sentido mantê-la. É fundamental discutir a forma de fazer campanha para torná-la mais barata.Tanto Aécio como Campos dizem ser contra a reeleição e a favor de cinco anos de mandato. Entretanto, a crítica que fazem a Dilma deveria valer também para aliados que adotam o mesmo comportamento. Não basta aparentar ser diferente, é preciso também deixar de reproduzir bravatas eleitorais.Sobre a correção da tabela do IR cabe mais um comentário. Aécio anunciou que vai apresentar uma emenda à MP propondo que nos próximos cinco anos a correção seja feita pelo IPCA. Em nota pública, afirmou que estaria "garantindo as perdas reais aos trabalhadores brasileiros, tirando esse tema da agenda política e oportunista como buscou fazer ontem a presidente".Se recuamos aos oito anos de FHC, que foi um governo de fato reformista, observa-se que o tucano padeceu dos mesmos problemas: a tabela foi corrigida apenas uma vez e deixou uma defasagem, quando comparada ao índice de inflação do período, próxima de 39%, segundo o Sindifisco. Tal correção foi anunciada em dezembro de 2001 e aprovada em janeiro de 2002, sem o uso de rede nacional, mas no auge dos festejos natalinos e a menos de um ano das eleições presidenciais de 2002, com Aécio presidindo a Câmara. Pelo momento, apesar de não usar a rede nacional de rádio e de TV, não poderia também ser considerada uma estratégia populista ou oportunista? Como se vê, a medida agora proposta por Aécio sobre o IR não encontra paralelo quando seu partido comandou o País. Fica a pergunta: se aprovada, a proposta será exequível num eventual governo do PSDB?A credibilidade dos políticos também passa pelo fim de uma retórica cínica que aponta claramente os problemas e chega a propor como resolvê-los. Mas não esclarece que, para além do discurso eleitoral, fatores como negociação política, contexto econômico e restrição orçamentária influenciam, e muito, nas escolhas de quem venceu a eleição. O cinismo eleitoral é um dos elementos responsáveis pela baixa confiança social dedicada aos políticos.*Marco Antonio C. Teixeira e Rafael Alcadipani são, respectivamente, cientista político e professor do curso de Administração Pública da FGV-SP; e especialista em estudos organizacionais e professor do curso de Administração de Empresas da FGV-SP.