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CNI versus Argentina

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Por Redação
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A Confederação Nacional da Indústria (CNI) pediu ao governo brasileiro a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as barreiras comerciais impostas pela Argentina. A adoção de licenças não automáticas para importação de produtos brasileiros, segundo argumentam os empresários, já durou mais que o tempo admitido pelas normas internacionais. Essa iniciativa dos industriais brasileiros pode ser um bom assunto para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sua colega argentina Cristina Kirchner, quando se encontrarem hoje, em Assunção, para a reunião de presidentes do Mercosul e de Estados associados. Mas nenhum dos dois deve ter muita disposição para conversar seriamente sobre o assunto. Caberá à imprensa, quase com certeza, forçá-los a algum pronunciamento sobre o contencioso bilateral. Para o governo argentino, é muito mais confortável, por enquanto, deixar o tema para ser discutido na segunda e na terça-feiras, em São Paulo, pela comissão de acompanhamento do comércio bilateral. Mas, para os dirigentes da CNI, não há mais como cuidar do impasse pelos processos seguidos até agora e recomendados pela atitude complacente de Brasília. Diante das pressões do governo argentino, industriais brasileiros têm procurado soluções sem conflito. Vários setores aceitaram, nos últimos anos, acordos de restrição "voluntária" para suas exportações. "Esse instrumento, contudo, atingiu seu limite", segundo nota da CNI. "Com o agravamento do contencioso e diante dos prejuízos para os exportadores brasileiros uma medida mais efetiva parece inevitável", afirma-se no documento. De acordo com a nota, a parcela das exportações brasileiras afetadas por barreiras argentinas passou de 3,7% para 13,5% entre 2004 e 2009. O prejuízo não consiste só na redução do volume vendido. É mais grave, porque as travas a produtos brasileiros têm facilitado o ingresso de exportações chinesas no mercado argentino. Entre janeiro e abril do ano passado, segundo o documento da CNI, a indústria brasileira tinha participação de 42% nas compras argentinas dos produtos sujeitos a restrições. Nos primeiros quatro meses deste ano a fatia brasileira correspondeu a 31,5%. Entre os dois períodos, a participação chinesa passou de 21,5% para 30,5%. Não se trata, portanto, apenas de protecionismo, mas de um evidente desvio de comércio em benefício de um país estranho ao Mercosul. De acordo com a CNI, 4,8% das exportações brasileiras são afetadas pelo mecanismo do "valor critério" (preço de referência geralmente acima do valor de mercado), 1,4% por medidas antidumping e 7,3% por licenças não automáticas. Essas licenças se multiplicaram desde o ano passado e já duram muito mais que os 60 dias úteis admitidos pelas normas da OMC. Além do mais, as licenças têm sido usadas ostensivamente para retardar durante prazos longos - até de meses - o ingresso de produtos brasileiros no mercado argentino. Em alguns casos, a demora na autorização causa prejuízos irreparáveis - quando afeta, por exemplo, a venda de produtos de moda ou de estação. O recurso à OMC é a melhor solução, segundo a CNI, porque a alternativa, a retaliação direta, poderia prejudicar indústrias brasileiras dependentes de insumos argentinos e, além disso, seria contrária às políticas defendidas internacionalmente pelo Brasil. Mas a solução proposta pela CNI, embora seja a mais sensata, é também mais uma prova do fracasso do Mercosul. O bloco é incapaz de resolver as divergências, porque não há harmonização de políticas nem de propósitos entre os dois maiores sócios. As queixas da CNI não se referem a um conflito ocasional. O comércio de veículos e componentes, por exemplo, continua sujeito a limitações e há pouca esperança de uma liberalização num prazo razoável. Além disso, a presença dos mesmos setores como alvos das políticas protecionistas mostra o pouco avanço na modernização e no fortalecimento da indústria argentina, como se observa no documento da CNI. A persistência do protecionismo também denuncia, diz a nota, o baixo grau de harmonização das políticas. As duas observações impõem uma pergunta: nessas condições, para que manter o Mercosul como união aduaneira?