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Opinião|Códigos de ética e conduta

O desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos

Atualização:

“Com a lei, pela lei, pois fora da lei não há solução”

Ruy Barbosa

A Constituição federal de 1988 consagrou em seu artigo 37 os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade a que todos os Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios devem obedecer no exercício de suas atividades administrativas.

Como afirmou o então presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Américo Lourenço Masset Lacombe, tendo a Constituição juridicizado a ética, esta deixou de ser um conjunto de normas de conduta voltadas para cada um em particular, pois no centro das considerações morais da conduta humana está o EU, como leciona Hannah Arendt. A ética passou a ter status jurídico e interessar diretamente ao Estado, uma vez que ele está no centro das considerações jurídicas da conduta humana.

Daí a importância das comissões de ética, notadamente no setor público, cujas funções vão além da obrigação de alertar o Poder Executivo por eventuais desvios de seus auxiliares, além de afastar a descrença da sociedade nos poderes públicos. É, pois, imperioso que a postura ética impere sobre toda a administração.

Como alerta o jurista Américo Lacombe no final da apresentação do Código de Conduta da Alta Administração Federal, “nada pode ser mais nocivo ao desenvolvimento de uma sociedade do que a falta de confiança nos poderes constituídos, do que a descrença na sua própria capacidade de superar as dificuldades, do que a falta de amor próprio, de orgulho do seu passado e da crença no futuro”.

Em 26 de maio de 1999 foi criada a Comissão de Ética Pública, vinculada ao presidente da República, competindo-lhe proceder à revisão das normas que dispõem sobre a conduta ética na administração pública federal, elaborar e propor a instituição do código de conduta das autoridades, no âmbito do Poder Executivo federal.

Em 21 de agosto de 2000 foi aprovada a Exposição de Motivos n.º 37/2000, que propôs a constituição do Código de Conduta da Alta Administração Federal, o qual vale como compromisso moral das autoridades com o chefe do governo, proporcionando elevado padrão de comportamento ético, capaz de assegurar em todas as Casas a lisura e a transparência dos atos praticados na condução da coisa pública.

O código de conduta tem como um de seus principais pilares constituir fator de segurança do administrador público, norteando o seu comportamento enquanto no cargo e protegendo-o de acusações infundadas, pois na ausência de regras práticas de conduta se corre o risco de inibir o cidadão honesto a aceitar cargo público de relevo. Criou-se um mecanismo ágil de formulação dessas regras e de sua difusão e fiscalização, além de uma instância à qual os administradores possam recorrer em caso de dúvida e apuração de transgressões, a Comissão de Ética Pública.

O código trata de um conjunto de normas às quais se sujeitam as pessoas nomeadas pelo presidente da República para ocupar cargos nele previstos. A transgressão dessas normas não implicará necessariamente violação legal, mas descumprimento de um compromisso moral e dos padrões qualitativos estabelecidos para a conduta da alta administração. A punição será de caráter político: advertência e “censura ética”. Além disso, é prevista a sugestão de exoneração, dependendo da gravidade da transgressão.

Em 2002 foi publicado o Decreto 4.187, de 8 de abril, dispondo sobre o impedimento de autoridades exercerem atividades ou prestarem serviços após a exoneração do cargo que ocuparam e sobre a remuneração compensatória a elas devida pela União. E em 7 de junho de 2001 a Comissão de Ética Pública aprovou seu regimento, disciplinando o seu funcionamento. A comissão é composta por sete membros designados pelo presidente da República com mandato de três anos, podendo ser reconduzidos.

Mário Ernesto Humberg, autor do livro Programas e Códigos de Ética e Conduta, cita lição de Roberto Teixeira da Costa, responsável pela implantação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da elaboração da Lei das SAs, em 1976, lembrando que o seu artigo 154 já estipulava que o administrador (da empresa) deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e a função social da empresa. No que se refere aos políticos, ele anotava: “O momento político que vive o Brasil tem sido marcado por uma grande riqueza de fatos que estão vindo a público e que, se devidamente analisados, poderão servir para uma importante mudança de hábitos e costumes que foram aceitos por nossa sociedade como normais ao longo do tempo”. 

O Estadão publicou na edição de 22 de novembro que o Tribunal de Contas da União (TCU) indicou 38 órgãos federais mais vulneráveis a irregularidades. Após a coleta de informações em 287 instituições, o TCU apontou que em 38 unidades com maior poder econômico os sistemas de controle são considerados frágeis e, juntas, elas gerenciam orçamento de R$ 216 bilhões. A auditoria teve o objetivo de deixar os órgãos públicos a par de práticas antifraude e anticorrupção. O TCU propôs recomendações aos órgãos auditados.

Daí a importância das comissões de ética, em especial da Comissão de Ética Pública da Presidência da República.

A verdade é que não pode existir desenvolvimento econômico, social e político, sem obediência aos princípios éticos. O desenvolvimento é impossível sem que dele participem cidadãos honestos e comprometidos com os princípios éticos e morais, produzindo um benéfico efeito cascata, que constitui o mais promissor caminho para corrigir as graves injustiças e atenuar as perigosas tensões entre as nações.

*ADVOGADO, RUY ALTENFELDER É PRESIDENTE DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS JURÍDICAS (APLJ) E DO CONSELHO SUPERIOR DE ESTUDOS AVANÇADOS (CONSEA/FIESP)