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Combater a inflação, mexer no emprego

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Por Ilan GoldFajn
4 min de leitura

A inflação subiu no Brasil e com ela, as preocupações do governo. O discurso recente tem enfatizado o compromisso no combate à inflação. Melhor assim. É necessário transmitir a ideia de que há um guardião da inflação para evitar aumentos contínuos de preços. Se subirem muito, caem as vendas, perde-se mercado. É a âncora da economia. Mas não há almoço grátis, o combate à inflação requer estar disposto a abrir mão de coisas valiosas. A sociedade está preparada para (temporariamente) reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho para reduzir a inflação? Ninguém gosta de fazer essa opção. Às vezes nem é necessário. A maioria dos países vizinhos na América Latina está crescendo fortemente, com inflação em queda (o Peru cresce 6,3%, com inflação de 2,6%; o Chile, 5,6%, com 1,5% de inflação; o México, 3,9%, com inflação de 3,6%, etc.). É que uma vez que a inflação é combatida a estabilidade econômica e a melhora na produtividade favorecem o crescimento forte com baixa inflação. Mas no Brasil as opções estão mais difíceis. Recentemente tem ocorrido o inverso dos nossos vizinhos: inflação em alta e crescimento tímido. O Banco Central (BC), na última ata, chamou a atenção para as "limitações pelo lado da oferta". O problema não é a falta de consumo, que tem crescido de forma robusta. É necessário produzir a um custo menor (mais produtividade) para crescer sem pressionar a inflação. Nesse caso, estímulos ao consumo não resolvem e podem até exacerbar o problema, pois distanciam a demanda do que pode ser ofertado sem inflação crescente. Muitas vezes as soluções parecem caminhar na direção correta, mas podem não resolver o problema. Por exemplo, a desoneração de impostos na economia é um objetivo nobre a perseguir. Afinal, a alta e complexa carga tributária da economia brasileira é um gargalo ao crescimento. No curto prazo, os subsídios e o corte de impostos de fato podem reduzir os preços e ajudar a combater a inflação. Contudo, ao longo do tempo, se as desonerações e os menores preços estimularem ainda mais o consumo, sem correspondente aumento da oferta, o problema inflacionário persistirá. Apesar da redução da tarifa de energia elétrica, que teve impacto relevante no índice de fevereiro, a inflação não tem cedido como desejado. Neste início de ano a inflação continuou elevada: no acumulado em 12 meses deve oscilar entre 6,2% e 6,6% até o final do terceiro trimestre, quando pode começar a recuar. A pressão dos alimentos tende a ser revertida, ao menos parcialmente, e a queda do preço das commodities agrícolas no mercado internacional pode ajudar. Porém observa-se uma maior disseminação no aumento de preços. O mercado de trabalho aquecido tem gerado aumentos de salários que, repassados aos preços, têm provocado resistência à queda da inflação. Na atual conjuntura talvez seja necessário desaquecer temporariamente tanto o consumo, adequando-o, no curto prazo, à oferta mais restrita, quanto o mercado de trabalho, para permitir ajustar os aumentos de salários ao crescimento da produtividade do trabalho. Nesse caso, as desonerações apenas adiariam a necessidade desses ajustes para adiante. Pode-se argumentar que a desaceleração do consumo e/ou do mercado de trabalho não seja necessária. Bastaria controlar as expectativas no curto prazo para evitar reajustes defensivos de preços, desonerar alguns preços no curto prazo, ganhando tempo para que haja uma reação pelo lado da oferta: mais produção baseada em mais investimentos. Os investimentos levariam, ao longo do tempo, a aumentos de produtividade que permitiriam a adequação da economia aos salários atuais (e ao forte mercado de trabalho). O problema é que a retomada dos investimentos, em particular, tem ocorrido de forma lenta, enquanto o consumo e o mercado de trabalho continuam robustos. Em 2012 a economia cresceu 0,9% e o investimento no mesmo ano teve queda de 4%. O consumo das famílias e os gastos do governo continuaram crescendo firmes, 3,1% e 3,2%, respectivamente. Projeta-se uma retomada modesta do ritmo de crescimento do produto interno bruto (PIB), de 3% em 2013. Apesar do baixo crescimento projetado, espera-se que a taxa de desemprego continue baixa, mantendo o mercado de trabalho apertado e aumento dos salários reais. Boas notícias para um lado da economia, mas, por outro, dificultam o combate à inflação. Um parêntese aqui. A combinação de crescimento modesto do PIB com mercado de trabalho aquecido tem deixado os analistas perplexos. Em geral, o crescimento do emprego e o do PIB caminham juntos. Nesse caso, dois fatores estruturais e um conjuntural criaram o aparente paradoxo. De um lado, o padrão de crescimento demográfico é tal que o ritmo de entrada dos jovens no mercado de trabalho é cada vez menor, limitando a oferta de trabalhadores disponíveis para a economia. O que algumas décadas atrás era abundante hoje é escasso. Por outro lado, a composição atual do crescimento do PIB no Brasil é mais intensa em mão de obra, pois o setor de serviços cresce mais e contrata mais gente. O fator conjuntural é que a indústria, percebendo esse processo estrutural de oferta menor e demanda maior de trabalho, tem retido os trabalhadores, em vez de dispensá-los, na esperança de uma retomada mais intensa da economia (esse fenômeno é chamado de "poupança de trabalho"), como alertei neste espaço há mais de um ano. O resultado desse paradoxo é o que observamos: mercado de trabalho forte e pressões inflacionárias, mesmo com PIB fraco. Pleno emprego, salários altos e consumo forte têm sido valiosos para a economia brasileira. A inflação sob controle também é um valor. Não está claro se há consciência na sociedade de que para manter a inflação sob controle possa ser necessário temporariamente reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho.

* Ilan GoldFajn é economista-chefe e sócio do Itaú-Unibanco.

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